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A possibilidade de utilização de ex tarifários revogados e a preservação dos negócios jurídicos



A dinâmica do comércio exterior, embora essencial para o desenvolvimento econômico de um país, é frequentemente marcada por desafios e incertezas. Dentre esses desafios, destaca-se a possibilidade de alterações abruptas nas políticas tarifárias, como a revogação de ex-tarifários. Tais medidas, embora visem atender aos interesses macroeconômicos do Estado, podem gerar impactos significativos para as empresas que atuam no setor, comprometendo a previsibilidade e a segurança jurídica de suas operações.


O presente artigo se propõe a aprofundar a análise da problemática da revogação de ex-tarifários, à luz do princípio da segurança jurídica, um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Para tanto, será examinado um caso concreto em que uma empresa importadora de baterias foi surpreendida pela revogação de um ex-tarifário após a celebração de um contrato de importação, resultando em um aumento substancial nos custos da operação. A partir desse caso, serão exploradas as implicações jurídicas da revogação de ex-tarifários, a importância da segurança jurídica nas relações comerciais internacionais e a busca por soluções que harmonizem os interesses do Estado com a proteção dos direitos dos agentes econômicos.


1. O Impacto da Revogação de Ex-tarifários: O Caso da Importadora de Baterias

A empresa em questão, fabricante de baterias, viu-se diante de um aumento considerável nos custos de importação de módulos acumuladores elétricos de íons de lítio (NCM 8507.60.00) devido à revogação do ex-tarifário que reduzia a alíquota do Imposto de Importação de 18% para 9%. A empresa, agindo de boa-fé e com base na legislação vigente à época da negociação, firmou um contrato de compra e venda internacional com um exportador, contando com a aplicação da alíquota reduzida. No entanto, para sua surpresa, a revogação do ex-tarifário ocorreu antes do desembaraço aduaneiro das mercadorias, resultando em um prejuízo estimado de R$ 204.000,00.


Os bens a serem importados foram negociados (negócio jurídico) com exportador durante a vigência de Ex Tarifário, antes da sua revogação recente. Ex tarifário criado em 27/10/2022, com vigência em 01/12/2022, pela RESOLUÇÃO GECEX Nº 411, DE 26 DE OUTUBRO DE 2022, criando a exceção EX 032 do NCM 8507.60.00, com alíquota reduzida do imposto de importação para 9%.


Os bens negociados faziam jus à redução do imposto de importação de 18% para 9%, ou seja, redução total de 9%.


No decorrer do trânsito marítimo, a empresa foi surpreendida com a revogação do ex tarifário, em 15/07/2024. Ex revogado pela Resolução Gecex 617/2024, em 15/07/2024. Antiga alíquota do imposto de importação = 9%. Alíquota atual = 18%. Majoração de 9 pontos percentuais.


2. A Insegurança Jurídica e a Busca pela Tutela do Judiciário

A situação enfrentada pela importadora de baterias ilustra a fragilidade e a insegurança jurídica que podem permear as relações de comércio exterior. A empresa, apesar de ter agido em conformidade com a legislação vigente no momento da celebração do contrato, viu-se prejudicada por uma alteração posterior que impactou significativamente seus custos e colocou em risco a viabilidade econômica da operação.


Diante dessa situação, a empresa buscou a tutela do Poder Judiciário, pleiteando o direito de aplicar a alíquota reduzida do Imposto de Importação aos bens importados. A fundamentação do pedido se baseou no princípio da segurança jurídica, na proteção da confiança legítima e na jurisprudência consolidada sobre o tema.


3. O Princípio da Segurança Jurídica e sua Relevância nas Relações de Comércio Exterior

O princípio da segurança jurídica, consagrado no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, garante que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Esse princípio representa um dos pilares do Estado Democrático de Direito, assegurando a estabilidade das relações jurídicas e a previsibilidade do ordenamento jurídico.   


No âmbito do comércio exterior, a segurança jurídica desempenha um papel crucial, garantindo que as empresas possam confiar na estabilidade das normas que regem suas operações, incluindo as alíquotas do Imposto de Importação. A imprevisibilidade das alterações tarifárias pode comprometer o planejamento e a viabilidade econômica das operações de importação e exportação, inibindo investimentos e prejudicando o desenvolvimento do setor.



4. A Jurisprudência como Instrumento de Proteção dos Negócios Jurídicos para casos de habilitação no Radar - Analogia


A jurisprudência brasileira tem se mostrado sensível à necessidade de proteger os negócios jurídicos celebrados antes da redução do limite do radar ou cancelamento da habilitação. É daqui que se parte a aplicação ao presente caso por analogia.


O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em diversos julgados, consolidou o entendimento de que para casos de habilitação no Radar, os efeitos da redução de limite ou cancelamento devem ser ex nunc, ou seja, a partir da data da revogação, não retroagindo para atingir os negócios jurídicos já concluídos.


Essa interpretação, que encontra respaldo no princípio da segurança jurídica e na proteção da confiança legítima, visa evitar que as empresas sejam penalizadas por alterações na legislação que ocorreram após a celebração dos contratos de importação.


No caso em análise, a empresa importadora de baterias buscou amparo na jurisprudência para garantir a aplicação da alíquota reduzida do Imposto de Importação aos bens negociados antes da revogação do ex-tarifário.


Vejamos a jurisprudência para casos da Radar:


TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. HABILITAÇÃO PARA OPERAR NO SISCOMEX. SUSPENSÃO. EFEITOS RETROATIVOS. IMPOSSIBILIDADE.

Os efeitos do ato administrativo de suspensão da habilitação da requerente para operar no SISCOMEX tem eficácia ex nunc, de forma a abranger negócios celebrados somente a partir da notificação inequívoca da indigitada suspensão.

Deve, pois, ser assegurada a continuidade do desembaraço aduaneiro sem o óbice criado pela suspensão da habilitação em relação à operação em questão.

(TRF4, AC 5003979-62.2017.4.04.7008, SEGUNDA TURMA, Relator ANDREI PITTEN VELLOSO, juntado os autos em 28/11/2018)

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TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. SISTEMA INTEGRADO DE COMÉRCIO EXTERIOR - SISCOMEX. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO. PRESERVAÇÃO DOS NEGÓCIOS REALIZADOS ANTERIORMENTE À SUSPENSÃO.

HONORÁRIOS RECURSAIS. 1. A concessão de habilitação para operar no sistema Siscomex tem caráter precário, a critério discricionário da administração pública, que deve observar os requisitos legais vigentes, pois as regras editadas têm por finalidade o melhor controle da atuação das empresas no comércio exterior. A suspensão, entretanto, não é automática e depende de procedimento administrativo específico, nos moldes do art. 14, da IN RFB 1.603/2016. 2. Em função do princípio da segurança jurídica, impõe-se a preservação dos negócios jurídicos que tenham sido celebrados antes da inequívoca ciência da autora a respeito da circunstância de não estar mais habilitada a operar no sistema Siscomex. 3. A Administração Pública não deve conferir efeitos retroativos a atos que importem restrições de direitos dos administrados. 4. Honorários advocatícios fixados na forma do § 11 do art. 85 do CPC. (TRF4, AC 5047002-82.2017.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA,

Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 10/10/2018)

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TRIBUTÁRIO. SISTEMA INTEGRADO DE COMÉRCIO EXTERIOR. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO. ATO ADMINISTRATIVO. APLICAÇÃO RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Em função do princípio da segurança jurídica, impõe-se a preservação dos negócios jurídicos que tenham sido celebrados antes da inequívoca ciência

da agravante a respeito da circunstância de não estar mais habilitada a operar no sistema SISCOMEX. 2. Hipótese em que os documentos demonstram que o ato que suspendeu o SISCOMEX foi posterior ao negócio jurídico, com embarque realizado antes da suspensão para a parte autora operacionalizar no RADAR. 3. Tal decisão não implica, contudo, determinação para liberação indiscriminada de mercadorias, mas tão somente para dar andamento ao despacho aduaneiro. (TRF4, AG 5002939- 83.2018.4.04.0000, PRIMEIRA

TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 11/04/2018)

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TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. SUSPENSÃO CAUTELAR DO CNPJ COM EFEITOS SOBRE A HABILITAÇÃO DO SISCOMEX. LEGITIMIDADE PASSIVA. NEGÓCIO JURÍDICO PERFECTIBILIZADO ANTERIORMENTE. EFEITOS RETROATIVOS. NÃO-CABIMENTO.

A legitimidade passiva em mandado de segurança que questiona os efeitos retroativos da suspensão da habilitação para operação no SISCOMEX é do Inspetor da Receita Federal, ainda que este ato tenha sido motivado na suspensão cautelar do CNPJ determinado pelo Delegado da Receita Federal, uma vez que o que se questiona no presente writ não é o cabimento da suspensão do CNPJ em si, mas a interpretação dada pelo Inspetor aos seus efeitos, que culminou por inviabilizar a conclusão do procedimento de importação de mercadorias adquiridas anteriormente à ciência ao interessado acerca do ato suspensivo.

O poder de polícia da Administração Tributária, que pode, nos termos da legislação de regência, em tese, suspender cautelarmente o CNPJ e, por conseqüência, a habilitação para operação no sistema SISCOMEX, cujo caráter é precário.

Contudo, não há permissivo legal que autorize que o ato de suspensão atinja todos os negócios jurídicos perpetrados pela interessada, o que abrangeria, inclusive, aqueles já perfectibilizados. Ademais, tal norma que determinasse efeitos retroativos ao ato de suspensão, caso existisse, seria questionável sob o ponto de vista do princípio da segurança das relações jurídicas, o que exige a preservação dos negócios realizados antes da ciência do ato de suspensão. Precedentes desta Corte Regional (AG 5008249-80.2012.404.0000, APEL REEX 5001627-10.2012.404.7008, APEL REEX 5000087-92.2010.404.7008). TRF4 5013428-94.2015.4.04.7208, SEGUNDA TURMA, Relator OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, juntado aos autos em 06/07/2016)


5. A Importância da Comunicação e da Previsibilidade nas Alterações Tarifárias

A revogação de ex-tarifários, embora seja uma prerrogativa do Estado no exercício de sua soberania, deve ser realizada de forma a preservar a segurança jurídica e a estabilidade das relações comerciais. A comunicação prévia e clara acerca das alterações tarifárias, bem como a adoção de medidas que minimizem o impacto da mudança para as empresas, são essenciais para garantir a previsibilidade e a confiança no sistema de comércio exterior.


A Lei nº 12.016/2009, que regula o mandado de segurança, prevê a possibilidade de concessão de medida liminar em caso de relevância da fundamentação e receio de dano irreparável. No caso da importadora de baterias, a empresa pleiteou a concessão de liminar para garantir o registro da Declaração de Importação com a alíquota reduzida, evitando o pagamento dos tributos majorados e os prejuízos decorrentes da paralisação do despacho aduaneiro.


6. Considerações Finais

A revogação de ex-tarifários é um tema complexo e controvertido, que envolve a colisão entre o interesse público na condução da política econômica e a proteção da segurança jurídica dos agentes econômicos. O caso da importadora de baterias ilustra os desafios enfrentados pelas empresas que atuam no comércio exterior e a importância da busca pela tutela judicial em situações de insegurança jurídica.


A busca pela segurança jurídica nas relações de comércio exterior é um desafio constante, mas essencial para o desenvolvimento de um ambiente de negócios favorável ao crescimento econômico do país. A jurisprudência e a legislação brasileira oferecem ferramentas para proteger as empresas dos impactos negativos das alterações tarifárias, garantindo um ambiente de comércio exterior mais justo, previsível e seguro.

Rogério Zarattini Chebabi

Advogado - OAB/SP 175.402

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