Entrega Antecipada de Mercadorias Importadas Antes do Exame Laboratorial: Viabilidade Judicial
A entrega antecipada de mercadorias importadas, antes da conclusão de exames laboratoriais, é um tema de relevância no direito aduaneiro brasileiro. Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) revisita um importante precedente, ao determinar a liberação aduaneira condicionada das mercadorias, permitindo que o importador se comprometa como fiel depositário até a conclusão dos exames. Este artigo analisa os fundamentos e a aplicabilidade desta decisão, abordando a regulamentação normativa vigente e a possibilidade de intervenção judicial.
O fiscal negou a liberação das mercadorias porque, apesar de a empresa ter apresentado certificados internacionais de conformidade, o perito solicitou um laudo complementar para verificar se os produtos da Adição 001 atendiam às normas da ABNT 14831. O perito afirmou que não era possível atestar a conformidade com a norma ABNT porque os produtos não foram ensaiados de acordo com seus parâmetros.
A Receita Federal entendeu que a realização de testes adicionais era necessária para a importação, mesmo com os certificados internacionais apresentados. A empresa argumentou que a exigência de testes para atender normas da ABNT era ilegal porque não havia previsão legal para essa exigência e nem norma específica para o produto em questão (mangueiras hidráulicas).
O inspetor chefe da alfândega não autorizou a entrega antecipada das mercadorias mediante assinatura de termo de fiel depositário, sem apresentar justificativa para a recusa. A empresa alegou que a retenção das mercadorias gerava custos de armazenagem que poderiam inviabilizar a comercialização.
1. Contexto Legal e Normativo
No âmbito do despacho aduaneiro, o controle sobre a conformidade de produtos importados é detalhado pela Instrução Normativa SRF nº 680/2006. Esta norma regulamenta os procedimentos aduaneiros, estipulando que mercadorias parametrizadas para o "canal vermelho" ou "cinza" podem ser submetidas a inspeções físicas e laboratoriais, dependendo do tipo de produto e de sua classificação fiscal. Este rigor no controle visa assegurar a compatibilidade dos bens com as regulamentações sanitárias, de segurança e padrões técnicos, principalmente para produtos que apresentam riscos específicos.
O Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro) ainda atribui à autoridade aduaneira a faculdade de reter mercadorias para exames técnicos que comprovem sua conformidade com a legislação brasileira.
2. O Papel do Fiel Depositário na Liberação Antecipada
A Instrução Normativa SRF nº 680/2006, em seu artigo 47, permite que, em certas condições, a Receita Federal libere as mercadorias mediante assinatura de um termo de fiel depositário, assumido pelo importador. Este compromisso exige que o importador guarde as mercadorias sob sua responsabilidade e, em caso de reprovação nos exames técnicos, as disponibilize para a autoridade aduaneira para as providências cabíveis. Este mecanismo visa proteger os interesses fiscais e sanitários do país sem comprometer excessivamente as atividades comerciais dos importadores. Vejamos:
Autorização para Entrega Antecipada
Art. 47. O importador poderá ter, a seu requerimento, autorizada pelo responsável pelo despacho, a entrega da mercadoria antes da conclusão da conferência aduaneira, nas seguintes hipóteses: (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1356, de 03 de maio de 2013)
(...)
IV - mercadoria que está sujeita a confirmação, por exame técnico-laboratorial, de atendimento a requisito de norma técnica para sua comercialização no País; (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1356, de 03 de maio de 2013)
(...)
§ 1º A autorização para entrega antecipada da mercadoria poderá ser condicionada:
(...)
III - ao compromisso firmado pelo importador de não consumir, comercializar ou utilizar a mercadoria até o desembaraço aduaneiro, nos casos em que houver pendência do cumprimento de exigência referida nos incisos III e IV do caput.
No caso analisado pelo TRF4, o importador pleiteou a liberação das mercadorias diante do impacto financeiro causado pela retenção prolongada, decorrente dos altos custos de armazenagem. Argumentou ainda que as mercadorias estavam acompanhadas de certificados internacionais de conformidade, o que tornava desnecessária a realização de testes adicionais.
3. Fundamentos da Decisão Judicial
O TRF4 reconheceu a legalidade e razoabilidade do pleito, determinando que a União autorizasse a entrega das mercadorias antes do exame complementar. Entre os principais fundamentos da decisão, estão:
Instrução Normativa SRF nº 680/2006: A norma admite a possibilidade de liberação antecipada mediante termo de fiel depositário. A negativa de liberação sem fundamentação específica caracterizaria abuso de poder, segundo o tribunal, considerando a apresentação de certificados internacionais pelo importador.
Princípio da Eficiência Administrativa e Razoabilidade: O TRF4 entendeu que a demora nos exames laboratoriais, quando já foram fornecidas provas de conformidade, oneraria o importador de forma desproporcional. O princípio da eficiência impõe à administração a busca por soluções que equilibrem a fiscalização com a agilidade processual.
Aspectos Econômicos e a Proporcionalidade da Medida: Com base no impacto financeiro, o tribunal concluiu que a retenção injustificada das mercadorias sem que haja uma real ameaça à segurança ou à saúde pública implica violação ao princípio da proporcionalidade.
4. Análise da Aplicabilidade do Precedente
A decisão do TRF4 estabelece uma importante referência para outros casos, onde o importador disponha de documentos que atestem a conformidade de seus produtos com normas internacionais. Importadores que buscam judicialmente a liberação antecipada, com respaldo em laudos ou certificações, podem utilizar este precedente como argumento de que a retenção prolongada e sem fundamento específico configura abuso de poder e compromete a eficiência administrativa.
Além disso, a decisão é um indicativo para a Receita Federal considerar o uso mais frequente do termo de fiel depositário, especialmente em casos onde a comprovação de conformidade por entidades externas seja suficientemente robusta para sustentar a liberação provisória.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402
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