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A Exigência de Conformidade com Normas ABNT pela Receita Federal nas importações



Introdução


A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), uma entidade civil e sem fins lucrativos, é reconhecida como o único Fórum Nacional de Normalização e tem como função desenvolver normas técnicas de caráter voluntário. Embora essas normas tenham sido amplamente adotadas como referências de segurança e qualidade, o uso compulsório dessas normas para produtos importados, sem regulamentação específica, levanta questões jurídicas importantes. Este artigo examina os fundamentos e as divergências jurisprudenciais sobre a atuação da Receita Federal ao exigir que produtos importados atendam a normas ABNT, à luz do artigo 39, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que remete à ABNT em casos de ausência de normas específicas expedidas pelo poder público.


1. O Papel da ABNT e o Caráter Voluntário das Normas Técnicas


A ABNT desenvolve Normas Brasileiras (NBR) que visam à qualificação de produtos e serviços em seus aspectos de segurança e qualidade para uso e consumo. Essas normas são, em princípio, voluntárias e não possuem força obrigatória, a menos que sejam explicitamente incorporadas em instrumentos do Poder Público, como leis, decretos ou normativas. A utilização compulsória das normas ABNT, portanto, só ocorre em situações onde a legislação ou regulamentação pública as torna obrigatórias.


Contudo, o artigo 39, inciso VIII, do CDC determina que é vedado ao fornecedor colocar no mercado produtos ou serviços que estejam em desacordo com as normas oficiais de segurança. Em casos de ausência de normas oficiais, o dispositivo sugere a adoção de normas privadas, como as da ABNT ou de outras entidades credenciadas pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (CONMETRO)​. Esse direcionamento do CDC permite que normas da ABNT sejam aplicadas a produtos de consumo, o que fundamenta, em parte, a atuação da Receita Federal ao exigir conformidade técnica.


2. A Fundamentação Jurídica da Receita Federal para a Exigência de Conformidade com Normas ABNT


A Receita Federal justifica a exigência de conformidade com normas ABNT, mesmo para produtos importados, com base no artigo 105, inciso XIX, do Decreto-Lei nº 37/66, que autoriza a pena de perdimento para mercadorias que possam representar riscos à saúde, à moral e à ordem pública. Tal interpretação visa garantir que os produtos que adentrem o território brasileiro estejam de acordo com padrões mínimos de segurança e não coloquem em risco a integridade dos consumidores.


Com o respaldo do CDC e do Decreto-Lei nº 37/66, a Receita argumenta que a utilização das normas ABNT para produtos importados visa impedir que itens inseguros sejam introduzidos no mercado brasileiro. Esta postura tem sido validada por decisões favoráveis no Judiciário, como em casos judiciais, que consideram a exigência de conformidade com normas ABNT uma medida necessária para proteger o consumidor e assegurar a segurança pública​​.


3. A Divergência sobre a Competência da Receita Federal e o Caráter Voluntário das Normas ABNT


Apesar do amparo que o CDC oferece para o uso de normas técnicas em casos de ausência de regulamentação específica, há um entendimento divergente no Judiciário que questiona a competência da Receita Federal em utilizar normas da ABNT como requisito para a liberação de produtos importados sem uma delegação expressa. Em uma apelação em mandado de segurança (AMS nº 2001.51.01.004885-8) no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a decisão considerou que as normas de direito privado, como as desenvolvidas pela ABNT, não possuem caráter vinculativo para a fiscalização aduaneira, a menos que haja uma norma pública que determine expressamente essa obrigatoriedade.


A decisão enfatizou que o uso de normas ABNT deve ocorrer apenas com delegação formal do Poder Público, sob pena de a Receita extrapolar suas competências. Além disso, a jurisprudência contrária à exigência compulsória dessas normas argumenta que a fiscalização aduaneira deve se limitar às competências tributárias e aduaneiras atribuídas à Receita Federal, sem incluir regulamentos de segurança e qualidade que não estejam formalmente incorporados em normativas públicas​.


4. A Interpretação do Artigo 39 do CDC e a Atuação da Receita Federal


O artigo 39, inciso VIII, do CDC estabelece um padrão de segurança ao proibir que produtos sejam colocados no mercado em desacordo com normas oficiais ou, na falta destas, com regulamentos de entidades privadas reconhecidas. Esse dispositivo legitima a exigência de normas ABNT para produtos destinados ao consumo, incluindo aqueles importados, desde que sejam comercializados no mercado interno (sem industrialização local prévia). No entanto, a aplicação dessa norma no contexto aduaneiro enfrenta desafios quando não há um instrumento do Poder Público que incorpore essas normas no processo de fiscalização.


Assim, embora o CDC dê margem para que normas privadas complementem a regulamentação de segurança do consumo, há limites na atuação da Receita Federal ao aplicar essas normas compulsoriamente, sem uma regulamentação específica que as torne obrigatórias. A interpretação restritiva do poder de fiscalização aduaneira, como no caso do TRF-2, reflete uma preocupação em manter a atuação da Receita dentro dos limites estabelecidos pelo direito administrativo e tributário.


A exigência de conformidade com normas ABNT para produtos importados destinados ao mercado de consumo divide a opinião no Judiciário brasileiro. Enquanto parte das decisões reconhece o amparo do CDC e do Decreto-Lei nº 37/66 para justificar a atuação da Receita Federal em prol da segurança do consumidor, outras decisões contestam essa prática, argumentando que normas de direito privado, como as da ABNT, não possuem força obrigatória no âmbito aduaneiro sem delegação expressa.


A ausência de regulamentação específica para a aplicação das normas ABNT em processos de importação torna necessária uma maior clareza legislativa para definir os limites e competências da fiscalização aduaneira, evitando a insegurança jurídica tanto para os importadores quanto para o próprio Fisco.


Rogerio Zarattini Chebabi

OAB/SP 175.402

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