Vinculação na Importação por Encomenda: o que Declarar na DI e a Solução de Consulta COSIT nº 120/2020
- Rogerio Chebabi

- há 23 horas
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1. Introdução
Poucos assuntos geram tanta hesitação na prática aduaneira quanto a vinculação em operações de importação por encomenda. A pergunta é recorrente há anos: quando o encomendante é vinculado ao exportador, deve-se declarar essa vinculação na Declaração de Importação (DI)?
O tema reaparece a cada discussão entre despachantes, tradings e importadores, e muitas respostas são dadas com base na intuição, em “tradições de balcão” ou em interpretações incompletas. Há quem sustente que basta existir qualquer vínculo econômico para que a DI deva refletir a relação; há quem afirme que a vinculação deveria ser sempre omitida; e há ainda quem — mais ousado — tente utilizar a própria importação por encomenda como meio de afastar a aplicação do método do valor de transação.
Ocorre que o sistema aduaneiro brasileiro possui três noções distintas de “vinculação”, cada qual disciplinada por normas diversas e com finalidades absolutamente diferentes. É essa confusão de esferas — societária, fiscal, aduaneira e declaratória — que alimentou por anos a controvérsia.
Felizmente, a Solução de Consulta COSIT nº 120/2020 trouxe esclarecimentos definitivos, com força vinculante para toda a Receita Federal, eliminando as zonas cinzentas e restabelecendo a coerência entre as normas.
2. Três Vinculações Distintas que o Setor Insiste em Misturar
A primeira confusão decorre da vinculação prevista na Lei nº 9.430/1996, voltada às regras de preços de transferência. Trata-se de um conceito amplo, que considera como vinculados controladores, coligados, parentes, empresas com exclusividade comercial, sociedades sob controle comum, entre muitas outras hipóteses. Essa vinculação é relevante para fins de Imposto de Renda e CSLL e deve ser informada na Escrituração Contábil Fiscal (ECF), jamais na DI.
A segunda vinculação é a aduaneira, prevista no Acordo de Valoração Aduaneira (AVA/GATT) e no Regulamento Aduaneiro. Essa, sim, se relaciona ao preço da importação e à aceitação ou não do método 1 (valor de transação). O AVA define como vinculados comprador e vendedor quando houver, entre eles, relação societária, controle direto ou indireto, administração comum, participação acionária relevante ou laços familiares próximos. Trata-se de uma vinculação substancial, cujo objetivo é evitar subfaturamento e assegurar que o preço declarado reflita o valor real da transação.
Por fim, há a vinculação formal a ser declarada na DI, prevista nos formulários do Siscomex. Essa declaração, no entanto, refere-se a uma vinculação extremamente específica: exclusivamente aquela existente entre o comprador constante da DI e o vendedor constante da DI. Não se destina a mapear a estrutura societária do grupo econômico, tampouco a capturar relações do encomendante ou de terceiros com o exportador. Trata-se de uma informação declaratória ligada à própria operação de compra e venda internacional registrada na DI.
3. A Importação por Encomenda e o Verdadeiro “Comprador” da DI
A Instrução Normativa RFB nº 1.861/2018 estabelece que, na importação por encomenda, quem efetivamente compra no exterior é o importador por encomenda — a trading. O encomendante, por sua vez, embora seja o destinatário econômico da operação, não figura como comprador internacional e não participa formalmente da contratação com o exportador. Assim, para fins de DI, o único comprador existente é a trading.
A partir dessa premissa estrutural, torna-se evidente que a DI deve refletir apenas a relação jurídica internacional: vendedor (exportador) e comprador (trading). O encomendante não aparece na relação de compra e venda e, consequentemente, não pode ser considerado parte na declaração de vinculação.
4. O §5º da IN RFB nº 2.090/2022: a Norma Anti-Burla
A segunda fonte de confusão surgiu com o §5º da IN RFB nº 2.090/2022, que dispõe que a vedação ao uso do método do valor de transação se aplica também quando houver vinculação entre o exportador e o encomendante. Alguns passaram a interpretar essa norma como uma determinação para declarar essa vinculação na DI. A interpretação, contudo, é equivocada.
O §5º foi criado justamente para impedir que um encomendante vinculado ao exportador evitasse a análise da influência no preço simplesmente utilizando uma trading como importadora formal. A norma assegura que a Receita Federal pode examinar a vinculação substancial — e desconsiderar o método 1 — ainda que o importador formal não seja o vinculado. Isso, porém, não altera o preenchimento da DI, porque a declaração de vinculação ali é meramente formal e diz respeito apenas ao comprador jurídico e ao vendedor jurídico da operação internacional.
5. A COSIT nº 120/2020: A Pá de Cal Definitiva
A Solução de Consulta COSIT nº 120/2020 é, sem exagero, o documento que encerra o debate. A Receita Federal afirmou, de modo expresso, que o importador por encomenda deve declarar vinculação — ou ausência dela — apenas entre comprador e vendedor da operação registrada na DI, isto é, entre exportador e trading. E foi ainda mais direta: não se deve indicar eventual vinculação entre o exportador e o encomendante predeterminado, porque essa relação não integra a compra internacional para fins de DI.
Nas palavras da própria COSIT:
Assunto: Imposto sobre a Importação - II
IMPORTAÇÃO POR ENCOMENDA. PESSOA VINCULADA. COMPRADOR. VENDEDOR. VALOR ADUANEIRO. DECLARAÇÃO DE IMPORTAÇÃO.
O importador por encomenda, no momento do preenchimento das abas "Fornecedor" e "Valor Aduaneiro" , nos Formulários de Dados Específicos de Adição da Declaração de Importação, deve indicar eventual vinculação entre comprador e vendedor, na relação mercantil. Especificamente, na importação por encomenda, ocorre relação de compra e venda, entre o exportador e o importador por encomenda. Nesse sentido, deve-se indicar a existência de eventual vínculo, a que se refere a legislação aduaneira, entre o exportador e o importador por encomenda.
Não se deve indicar eventual vinculação entre o exportador e o encomendante predeterminado, nos termos da legislação aduaneira, uma vez que, especificamente, na importação por encomenda, a relação de compra e venda pertinente, para fins de determinação e controle do valor aduaneiro, ocorre entre o exportador e o importador por encomenda.
A vinculação de pessoas, prevista na legislação aduaneira, para efeito de fixação do valor aduaneiro, toma por base os critérios previstos no Acordo de Valoração Aduaneira.
Dispositivos Legais: Lei nº 9.430, de 1996, arts. 18 a 24-B; Lei nº 11.281, de 2006, arts. 11 e 14; IN SRF nº 327, de 2003, arts. 2º, 3º, 15, 16, 17; IN RFB nº 1312, de 2012, art. 2º; IN RFB nº 1861, de 2018, arts. 4º a 6º.
A razão é cristalina: para fins de determinação e controle do valor aduaneiro, a relação relevante é a compra e venda celebrada entre exportador e importador por encomenda. A relação entre exportador e encomendante pertence à esfera da valoração, mas não da declaração.
6. Consequências Práticas para Operadores do Comércio Exterior
Do ponto de vista prático, o reflexo é direto. Na DI, declara-se exclusivamente a vinculação — ou sua ausência — entre a trading e o exportador. A existência de vinculação entre encomendante e exportador, ainda que enquadrável nos critérios do AVA/GATT, não é objeto da DI e não deve ser ali declarada. Isso não significa, contudo, que essa vinculação seja irrelevante: ela poderá ser analisada no procedimento de valoração, cabendo à Receita Federal verificar se houve influência no preço, podendo desconsiderar o método do valor de transação, exigir provas adicionais e aplicar métodos substitutivos.
A trading permanece responsável pela declaração correta da vinculação na DI, mas não se torna corresponsável pela relação societária ou econômica existente entre o encomendante e o exportador. O encomendante, por sua vez, continua sujeito às normas de preços de transferência e às regras de valoração, mas sua vinculação não se projeta formalmente no preenchimento da DI.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402


























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