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Dossiê de comparabilidade, valoração aduaneira e canal cinza: um guia prático

  • Foto do escritor: Rogerio Chebabi
    Rogerio Chebabi
  • 14 de out.
  • 5 min de leitura
Dossiê de comparabilidade, valoração aduaneira e canal cinza: um guia prático

1) Por que falar de “dossiê de comparabilidade” em aduana?


Em importação, valoração aduaneira é o coração do despacho: define a base do Imposto de Importação e influencia os demais tributos. A primeira âncora é o Valor de Transação (o preço efetivamente pago ou a pagar), ajustado apenas nos termos do Acordo de Valoração Aduaneira. É o que a Receita reafirma: o controle do valor aduaneiro se dá à luz do AVA e da IN RFB 2.090/2022 — inclusive com verificação após o desembaraço.


Um dossiê de comparabilidade é o “arquivo probatório” que mostra, com evidências, que o seu preço está em condições de mercado (arm’s length) e que eventuais ajustes do AVA foram corretamente incluídos (quando obrigatórios) ou excluídos (ex.: buying commissions genuínas).


Não é um relatório de preços de transferência — embora dialogue com ele —; é, antes de tudo, uma peça aduaneira, feita para resistir à conferência e a eventuais procedimentos especiais.


2) O que a lei/regulamento realmente exige


  • AVA/GATT: valor de transação como regra, com ajustes taxativos (comissões e corretagens) exceto as comissões de compra, valor de bens e serviços fornecidos pelo importador, royalties, etc.).

  • IN RFB 2.090/2022: consolida a declaração e o controle do valor aduaneiro e explicita rotinas, inclusive quanto ao ônus de provar que a relação com o vendedor não influenciou o preço.

  • RA/Decreto 6.759/2009 e manuais: reforço documental — sobretudo a fatura comercial com requisitos, incluindo país de origem, aquisição e procedência; erro formal pode virar multa.

  • Multa por informação inexata que impacte o controle: 1% do valor aduaneiro (art. 711, III, RA). Tradicional, simples e nada agradável.


3) Canal cinza: quando ele surge e por quê


A parametrização pode mandar a DI para cinza se houver indícios de fraude, inclusive quanto ao preço declarado. No cinza, há exame documental + verificação física e aplicação de procedimento especial de controle aduaneiro (PECA). Ou seja: lupa em cima do valor e da realidade da operação.


Moral da história: se o seu preço está bem justificado e documentado, você reduz a chance de cair no cinza — e, se cair, sai dele com menos hematomas.


4) Como montar um dossiê de comparabilidade “à prova de cinza”


4.1 Delineamento da transação (FAR)


  • Funções, Ativos, Riscos: quem negocia, quem assume risco de estoque/crédito/câmbio, quem embala, quem consolida, quem transporta.

  • Termos comerciais: Incoterm (padronize a base — p.ex., FOB porto de origem), volumes, prazos e condições de pagamento.

  • Origem/Aquisição/Procedência: a tríade precisa bater com a narrativa e com os papéis (fatura, PL, BL).

  • Cópias de e-mails, WeChat ou Whatsapp (conversas com exportador)


4.2 Evidências de mercado (comparáveis)


  • Internas (preferenciais): compras do mesmo item de terceiros independentes; vendas do seu fornecedor a outros compradores independentes, quando documentadas.

  • Externas: cotações formais (papel timbrado, data, Incoterm, prazos), listas de preço e faturas de mercado; dados públicos de importação, quando confiáveis e suficientemente granulares.


4.3 Normalizações (para falar a mesma língua)


  • Trazer tudo à mesma base (FOB porto de origem), deduzindo frete/seguro quando preciso.

  • Ajuste financeiro por prazo (desconto implícito).

  • Quantidade/lote (política formal de descontos).

  • Especificação/qualidade (excluir se não comparável).

  • Moeda/data: mesma moeda e janela temporal; documente câmbio e índices.


4.4 Construção da “faixa arm’s length”


  • Monte a amostra limpa e calcule P25–P50–P75 dos preços FOB ajustados por item/família de NCM.


-- O que significam P25, P50 e P75. Essas siglas vêm da estatística descritiva:

Sigla

Nome técnico

Significado prático

P25

1º quartil (25º percentil)

25% dos preços estão abaixo desse valor e 75% acima.

P50

Mediana (50º percentil)

É o meio da amostra — metade dos preços está abaixo, metade acima.

P75

3º quartil (75º percentil)

75% dos preços estão abaixo e 25% acima.


Ou seja, eles delimitam a faixa interquartil (P25–P75), que representa a zona de mercado dos preços comparáveis — excluindo extremos muito baixos ou muito altos.


Quando você ajusta todos os preços comparáveis (por Incoterm, câmbio, prazo, volume etc.) e converte tudo para FOB ajustado, você cria uma lista de valores comparáveis reais.


Depois:


  • Calcula o P25, P50 e P75 dessa lista;

  • Verifica se o seu preço de importação (o da fatura) está dentro dessa faixa.

    • Se o preço estiver entre P25 e P75, ele é considerado “em condições de mercado” (arm’s length).

    • Se estiver abaixo de P25, a Receita pode enxergar risco de subfaturamento.

    • Se estiver acima de P75, pode haver superfaturamento (relevante para transfer pricing inverso ou sobrepreço em operações vinculadas).

  • Conclusão: preço praticado dentro do interquartil? Ok. Fora? Justifique (volume atípico, condição de pagamento, qualidade) ou programe ajuste (no âmbito contábil/fiscal que couber).

4.5 AVA na prática (o que entra e o que não entra)

  • Entra: comissões/corretagens (salvo buying commissions), assists (bens/serviços fornecidos pelo importador), royalties vinculados, etc.

  • Não entra: comissão de compra genuína de agente do importador (quando houver e quando provada a natureza de buying commission). Em importações com trading vendedora (revenda), cuidado para não “fatiar” preço com “logistic fee”.

4.6 Coerência documental


  • Fatura comercial completa (conforme RA), PL e BL conversando entre si; Dados Complementares da DI explicando, em uma linha, a arquitetura da operação. Isso previne tanto o cinza quanto a multa de 1% por informação inexata.


5) Onde o dossiê conversa com a IN 2.090/2022


A IN 2.090/2022 sistematizou os métodos e as rotinas de declaração/controle do valor aduaneiro e sinalizou que a verificação pode ocorrer depois do desembaraço (revisão aduaneira): o dossiê é o kit de sobrevivência do importador quando a fiscalização pede a “prova dos nove” do seu preço e dos ajustes (ou não-ajustes).


6) O dossiê como antídoto (ou analgésico) do canal cinza


No cinza, a autoridade parte de indícios: subfaturamento, "underinvoicing cirúrgico", triangulação opaca, fees mal explicados, etc. O dossiê ataca as causas:


  • Realidade comercial: contratos, POs, pagamentos, instruções de embalagem (“MADE IN ....”), evidências de quem vendeu o quê a quem.

  • Preco de mercado: comparáveis ajustados e estatística clara (P25–P75).

  • AVA  “fechado”: memória de cálculo dos acréscimos ou exclusões (e por quê).

  • Coerência entre Incoterm, frete/seguro declarados, e o que foi realmente contratado/transportado.

  • Tríade origem/aquisição/procedência sem contradições — especialmente em triangulações com trading — para não acender o farol do auditor.


7) Erros clássicos (e caros)


  1. Comparar maçã com laranja (produto de outra especificação ou sem ajuste de Incoterm/prazo).

  2. “Fee” de serviço disfarçado dentro da fatura da mercadoria — vira ajuste do AVA (quando não algo pior).

  3. Dados formais falhos na DI (origem, aquisição, procedência) — passível de multa de 1% e de convite para o cinza.

  4. Câmbio/temporalidade sem documentação — comparáveis “congelados” em outra época.

  5. Falta de rastreabilidade (planilhas sem memória de cálculo, “print de internet” sem lastro).


8) Checklist resumido (para usar toda vez)


  • FAR (funções, ativos, riscos) e termos comerciais (Incoterm, prazos, volumes).

  • Evidências de mercado (internas/externas) com data, condição, Incoterm.

  • Normalizações (FOB, prazo, lote, qualidade, câmbio).

  • Faixa interquartil por item/família + conclusão (dentro/fora) e motivação.

  • AVA: planilha de acréscimos/exclusões (e documentos suporte).

  • Fatura/PL/BL/DI coerentes; Dados Complementares explicando a arquitetura.

  • Arquivo de guarda para a eventual verificação pós-desembaraço (IN 2.090).


No comércio exterior, o melhor contencioso é o que nunca acontece. Um dossiê de comparabilidade bem montado — ortodoxo, rastreável e casado com o AVA/GATT e a IN 2.090/2022 — reduz a probabilidade de canal cinza e, quando ele vier, encurta o sofrimento. É a diferença entre “explicar o seu preço” e “pedir desculpas por ele”.


Rogerio Zarattini Chebabi

OAB/SP 175.402

1 comentário


Airton A Reginaldo
Airton A Reginaldo
14 de out.

Excelente matéria. Este tema é de suma importância para o Comex. Parabéns!

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