Reativação da habilitação no Radar para realizar operações comerciais celebradas antes da suspensão
- Rogerio Chebabi

- 17 de jul.
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Introdução
Decisão proferida pela 24ª Vara Cível Federal de São Paulo, publicada em 18 de julho de 2025 no Diário da Justiça do Estado de São Paulo, constitui um precedente relevante no contencioso administrativo relacionado ao comércio exterior no Brasil. O mandado de segurança, impetrado por uma empresa importadora, aborda a suspensão de habilitação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX) e seus efeitos sobre operações comerciais previamente celebradas.
Este artigo analisa os fundamentos jurídicos da decisão, destacando a aplicação da teoria da encampação, os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, e a relevância jurisprudencial do tema.
Contexto Fático e Processual
A impetrante teve sua habilitação para operar no comércio exterior pelo SISCOMEX cancelada devido ao não atendimento de intimações em um procedimento administrativo fiscalizatório instaurado para revisão aduaneira, conforme disposto na Instrução Normativa RFB nº 1.984/2020.
A empresa argumentou que não teve ciência inequívoca da suspensão e requereu a reabilitação provisória de sua habilitação até 30 de setembro de 2024, para concluir o despacho aduaneiro de mercadorias relacionadas a faturas comerciais celebradas antes da suspensão.
As autoridades impetradas — o Delegado da Delegacia de Fiscalização de Comércio Exterior da Receita Federal em São Paulo (DECEX/SPO) e o Delegado da Alfândega da Receita Federal em Porto Alegre — levantaram preliminar de ilegitimidade passiva. A Receita Federal sustentou que a impetrante ignorou intimações no âmbito de uma fiscalização destinada a verificar a correta classificação fiscal de mercadorias importadas, o que comprometeu o procedimento e gerou benefícios indevidos. Em razão da inércia, foi lavrada autuação e promovido o cancelamento da habilitação, sem apresentação de defesa pela interessada.
Fundamentos da Decisão
1. Rejeição da Preliminar de Ilegitimidade Passiva: Teoria da Encampação
A preliminar de ilegitimidade passiva foi afastada com base na teoria da encampação, amplamente aceita na jurisprudência brasileira em ações de mandado de segurança. Essa teoria estabelece que, quando uma autoridade hierarquicamente superior não se limita a alegar sua ilegitimidade, mas adentra o mérito da demanda, torna-se legítima para figurar no polo passivo.
No caso, o Delegado da Alfândega de Porto Alegre abordou o mérito ao detalhar o procedimento fiscalizatório, legitimando sua inclusão como parte. Essa abordagem evita que imprecisões processuais técnicas obstaculizem o direito líquido e certo da impetrante, reforçando a efetividade do mandado de segurança como instrumento de tutela de direitos fundamentais.
2. Direito Líquido e Certo: Segurança Jurídica e Proteção da Confiança Legítima
O cerne da controvérsia reside na possibilidade de reabilitação temporária da habilitação no SISCOMEX para viabilizar o despacho aduaneiro de operações comerciais celebradas antes da ciência inequívoca da suspensão. A impetrante demonstrou que, no momento da celebração das negociações, sua habilitação estava vigente, e a notificação da suspensão ocorreu posteriormente.
O juízo entendeu que aplicar retroativamente os efeitos da suspensão violaria os princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança legítima.
A decisão fundamenta-se em precedentes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e da 4ª Região (TRF4), que estabelecem que a suspensão de habilitação no SISCOMEX não pode retroagir para atingir negócios jurídicos celebrados sob a presunção de regularidade. A retroação de efeitos administrativos violaria a segurança jurídica e a livre iniciativa, princípios essenciais para a previsibilidade e transparência no comércio exterior.
3. Proporcionalidade e Razoabilidade
A concessão da liminar e da segurança definitiva foi limitada no tempo (até 30/09/2024) e no objeto (despacho das faturas específicas), preservando o poder de fiscalização da Receita Federal. Essa abordagem demonstra a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, garantindo que a medida não comprometa a legalidade do ato administrativo originário, mas mitigue seus efeitos para proteger situações jurídicas consolidadas sob a habilitação vigente.
4. Implicações Jurídicas e Práticas
A decisão reforça a proteção de direitos fundamentais no âmbito do comércio exterior, especialmente no que tange à segurança jurídica e à confiança legítima. A jurisprudência citada consolida o entendimento de que atos administrativos sancionatórios, como a suspensão de habilitação no SISCOMEX, devem respeitar os negócios jurídicos celebrados antes da ciência inequívoca da penalidade. Essa orientação é crucial para empresas que operam no comércio internacional, onde a previsibilidade é essencial para a realização de operações complexas e de longo prazo.
Além disso, a aplicação da teoria da encampação destaca a flexibilidade processual do mandado de segurança, evitando que formalidades técnicas prejudiquem a tutela de direitos. A decisão também evidencia o equilíbrio entre o poder de fiscalização da Administração Pública e a proteção da atividade econômica, promovendo a transparência e a previsibilidade no ambiente de negócios.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402


























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