A Portaria RFB nº 583/2025 e o Endurecimento da Fiscalização Aduaneira em Operações de Importação
- Rogerio Chebabi
- 1 de out.
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1. Introdução
A recente Portaria RFB nº 583, de 23 de setembro de 2025, publicada no Diário Oficial da União em 24/09/2025, estabelece novas medidas de combate a ilícitos relacionados às importações, com ênfase em fraudes que envolvam a ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, do comprador ou do responsável pela operação.
A norma surge em um cenário de crescente preocupação da Administração Tributária com operações de interposição fraudulenta, triangulação e utilização de empresas de fachada em setores de alto risco, notadamente o de combustíveis.
Trata-se de mais um diploma que reforça o controle estatal sobre o comércio exterior, mas que também suscita discussões jurídicas relevantes quanto à legalidade, proporcionalidade e impacto concorrencial.
2. Estrutura normativa e fundamentos legais
A Portaria foi editada com fundamento no art. 350, III, do Regimento Interno da RFB (Portaria ME nº 284/2020), nos arts. 142 e 195 do CTN (Lei nº 5.172/1966), bem como na Lei nº 9.430/1996 e no Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009).
Seu escopo central é definir mecanismos de detecção, repressão e tratamento de ilícitos no âmbito das importações, alinhando-se ao dever da Receita Federal de lançar o crédito tributário e reprimir fraudes aduaneiras.
3. Pontos centrais da Portaria
3.1. Priorização da detecção de ilícitos
O art. 2º estabelece que a identificação de crimes ligados a importações deve ser tratada de forma prioritária pelo gerenciamento de riscos aduaneiros, demandando integração entre áreas da RFB e articulação com órgãos de persecução penal.
Trata-se de reforço à política de compliance aduaneiro, mas que, na prática, pode resultar em ampliação de seleções para canal vermelho e em maior rigidez procedimental para determinados setores.
3.2. Procedimentos fiscais e alocação de recursos
Nos termos do art. 3º, constatados indícios de ilícitos, a Suana deve destinar recursos adicionais e priorizar a investigação. Isso sinaliza uma centralização estratégica da RFB, voltada a operações consideradas de maior risco.
3.3. Ações ostensivas e coleta de provas
O art. 4º autoriza ações ostensivas de coleta de provas pela Coordenação-Geral de Combate ao Contrabando e Descaminho (Corep), inclusive com apoio policial. O dispositivo busca reprimir condutas de resistência à fiscalização, mas suscita debates sobre os limites da atuação administrativa em espaços privados, à luz da inviolabilidade do domicílio).
3.4. Retenção e perdimento
O art. 5º remete à IN RFB nº 1.986/2020 o rito para aplicação de perdimento em casos de suspeita de irregularidades. Embora respeite a disciplina vigente, mantém o problema de se basear em “indícios relevantes”, conceito aberto que pode conduzir à subjetividade administrativa e a litígios.
3.5. Despacho aduaneiro antecipado em combustíveis
O ponto mais sensível é o art. 6º, que impõe novas restrições ao despacho aduaneiro antecipado para petróleo, derivados, hidrocarbonetos, metanol e etanol:
exige anuência formal da Coana;
revoga automaticamente as autorizações concedidas anteriormente até 31/12/2025;
determina anuência dos fiscos estaduais envolvidos em operações interestaduais;
prevê dispensa apenas para OEA e operadores de alto índice de conformidade.
A medida representa significativo endurecimento regulatório, sobretudo para empresas que dependem de logística contínua e previsível.
3.6. Requisitos adicionais de habilitação
O art. 7º confere à Coana competência para impor requisitos adicionais de habilitação no Siscomex (IN RFB nº 1.984/2020), especificamente em importações de combustíveis. Ainda que com possibilidade de dispensa para OEA, tal previsão amplia o poder discricionário do fisco sem parâmetros objetivos definidos:
Art. 7º A Coana poderá estabelecer requisitos adicionais para a habilitação de que trata a Instrução Normativa RFB nº 1.984, de 27 de outubro de 2020, para importações de petróleo e seus derivados, bem como outros hidrocarbonetos e combustíveis, inclusive metanol e etanol, com objetivo de coibir os crimes e ilícitos a que refere o art. 1º.
4. Impactos práticos
A Portaria produz consequências relevantes:
Burocratização das operações de combustíveis: novas exigências de anuência podem atrasar processos logísticos, aumentando custos.
Insegurança jurídica: a possibilidade de revogação “a qualquer tempo” das autorizações fragiliza a estabilidade dos negócios.
Discriminação concorrencial: operadores não certificados como OEA enfrentam condições mais rígidas, o que pode violar os princípios da isonomia e da livre concorrência (art. 170, IV, CF/88).
Potencial aumento de litígios: diante da amplitude dos conceitos de “indícios relevantes” e da falta de critérios objetivos para requisitos adicionais de habilitação.
5. Fragilidades jurídicas
Do ponto de vista jurídico, destacam-se as seguintes fragilidades:
Extrapolação normativa: a Portaria não pode inovar no ordenamento criando restrições além das previstas em lei (art. 5º, II, CF/88).
Delegação excessiva à Coana: ao autorizar a imposição de requisitos adicionais de habilitação sem delimitação legal, corre-se risco de arbitrariedade.
Violação ao devido processo legal: perdimento com base apenas em “indícios” pode afrontar o art. 5º, LIV, da CF/88.
Quebra da isonomia concorrencial: favorecimento desproporcional ao OEA pode ser questionado como barreira concorrencial.
6. Conclusão
A Portaria RFB nº 583/2025 insere-se no movimento de fortalecimento da fiscalização aduaneira e repressão às fraudes em importações, especialmente em setores de combustíveis. Contudo, sua redação abre espaço para questionamentos jurídicos relevantes, sobretudo no que tange à legalidade de restrições impostas, ao tratamento desigual entre operadores e à amplitude dos poderes conferidos à Coana.
Ressalto que, para frear as empresas de fachada, a legislação sobre habilitação no radar e revisão de estimativa será endurecida, algo que eu já previ em artigo anterior.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402
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