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A Prescrição Intercorrente em Processos Administrativos Aduaneiros: Análise do Tema Repetitivo 1293 do STJ

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    Rogerio Chebabi
  • 26 de set.
  • 7 min de leitura
A Prescrição Intercorrente em Processos Administrativos Aduaneiros: Análise do Tema Repetitivo 1293 do STJ

1. Introdução


A distinção entre créditos tributários e créditos administrativos (não tributários) sempre foi objeto de acirrada controvérsia no Direito Aduaneiro. Essa diferenciação tem relevância prática direta, especialmente no tocante à incidência da prescrição intercorrente em processos administrativos instaurados para a apuração de infrações à legislação aduaneira.


O julgamento do Recurso Especial nº 2.147.583/SP (Tema 1293) pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em março de 2025, fixou teses vinculantes que delimitam, com maior precisão, os contornos jurídicos dessa matéria. O presente artigo busca analisar a ratio decidendi do julgado, seus reflexos no contencioso administrativo e judicial, e sua inserção no sistema normativo brasileiro.


2. O Marco Normativo da Prescrição Intercorrente


A Lei nº 9.873/1999 disciplina a prescrição da ação punitiva no âmbito da Administração Pública Federal, estabelecendo em seu artigo 1º, §1º, que:


“Incide a prescrição intercorrente quando o processo administrativo ficar paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos hajam sido arquivados sem manifestação conclusiva”.


Trata-se de norma de natureza geral, aplicável às infrações de caráter administrativo, ressalvadas, nos termos do art. 5º do diploma legal, aquelas relacionadas a ilícitos de natureza funcional e aos processos de natureza tributária.


Por outro lado, o Código Tributário Nacional (CTN), em seus artigos 151 e 174, regula a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e os prazos prescricionais da ação de execução fiscal, não prevendo, entretanto, a prescrição intercorrente no curso do processo administrativo fiscal.


A tensão normativa reside, portanto, em definir se as multas aplicadas pela Receita Federal em ambiente aduaneiro possuem natureza tributária, afastando a incidência da Lei nº 9.873/1999, ou administrativa, atraindo sua aplicação.


3. O Julgamento do Tema Repetitivo 1293


A controvérsia analisada no REsp 2.147.583/SP dizia respeito à multa prevista no art. 107, IV, “e”, do Decreto-Lei nº 37/1966, aplicada em razão de descumprimento de obrigação acessória aduaneira:


Art. 107. Aplicam-se ainda as seguintes multas:

(...)

IV - de R$ 5.000,00 (cinco mil reais):

(...)

e) por deixar de prestar informação sobre veículo ou carga nele transportada, ou sobre as operações que execute, na forma e no prazo estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, aplicada à empresa de transporte internacional, inclusive a prestadora de serviços de transporte internacional expresso porta-a-porta, ou ao agente de carga; e



O Tribunal de origem havia atribuído natureza tributária ao crédito, afastando a prescrição intercorrente. O STJ, contudo, fixou entendimento diametralmente oposto.


3.1 Teses Jurídicas Vinculantes


O acórdão, relatado pelo Ministro Paulo Sérgio Domingues, consolidou três teses jurídicas:


Tese Firmada:


1. Incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos.

2. A natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação.

3. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.



A Ementa ficou assim:


Ementa

ADMINISTRATIVO. ADUANEIRO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO ADUANEIRA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ART. 1º, § 1º, DA LEI 9.873/99. INCIDÊNCIA DO COMANDO LEGAL NOS PROCESSOS DE APURAÇÃO DE INFRAÇÕES DE NATUREZA ADMINISTRATIVA (NÃO TRIBUTÁRIA). DEFINIÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO CRÉDITO CORRESPONDENTE À SANÇÃO PELA INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO ADUANEIRA QUE SE FAZ A PARTIR DO EXAME DA FINALIDADE PRECÍPUA DA NORMA INFRINGIDA. FIXAÇÃO DE TESES JURÍDICAS VINCULANTES. SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO: PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.


1. A aplicação da prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 encontra limitações de natureza espacial (relações jurídicas havidas entre particulares e os entes sancionadores que componham a administração federal direta ou indireta, excluindo-se estados e municípios) e material (inaplicabilidade da regra às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária, conforme disposto no art. 5º da Lei 9.873/99).


2. O processo de constituição definitiva do crédito correspondente à sanção por infração à legislação aduaneira segue o procedimento do Decreto 70.235/72, ou seja, faz-se conforme "os processos e procedimentos de natureza tributária" mencionados no art. 5º da Lei 9.873/99. Todavia, o rito estabelecido para a apuração ou constituição definitiva do crédito correspondente à sanção pelo descumprimento de uma norma de conduta é desimportante para a definição da natureza jurídica da norma descumprida.


3. É a natureza jurídica da norma de conduta violada o critério legal que deve ser observado para dizer se tal ou qual infração à lei deve ou não obediência aos ditames da Lei 9.873/99, e não o procedimento que tenha sido escolhido pelo legislador para se promover a apuração ou constituição definitiva do crédito correspondente à sanção pela infração praticada. O procedimento, seja ele qual for, não tem aptidão para alterar a natureza das coisas, de modo que as infrações de normas de natureza administrativa não se convertem em infrações tributárias apenas pelo fato de o legislador ter estabelecido, por opção política, que aquelas serão apuradas segundo processo ou procedimento ordinariamente aplicado para estas.


4. Este Tribunal Superior possui sedimentada jurisprudência a reconhecer que nos processos administrativos fiscais instaurados para a constituição definitiva de créditos tributários, é a ausência de previsão normativa específica acerca da prescrição intercorrente a razão determinante para se impedir o reconhecimento da extinção do crédito por eventual demora no encerramento do contencioso fiscal, valendo a regra de suspensão da exigibilidade do art. 151, III, do CTN para inibir a fluência do prazo de prescrição da pretensão executória do art. 174 do mesmo diploma Nesse particular aspecto, o regime jurídico dos créditos "não tributários" é absolutamente distinto, haja vista que, para tais créditos, temos justamente a previsão normativa específica do art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 a instituir prazo para o desfecho do processo administrativo, sob pena de extinção do crédito controvertido por prescrição intercorrente.


5. Em se tratando de infração à legislação aduaneira, a natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela violação da norma será de direito administrativo se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado. Precedente sobre a matéria: REsp n. 1.999.532/RJ, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 9/5/2023, DJe de 15/5/2023.


6. Teses jurídicas de eficácia vinculante, sintetizadoras da ratio decidendi do julgado paradigmático: 1. Incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos. 2. A natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação. 3. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.


7. Solução do caso concreto: ao conferir natureza jurídica tributária à multa prevista no art. 107, IV, e, do DL 37/66, e, por consequência, afastar a aplicação do art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/99 aos procedimentos administrativos apuratórios objeto do caso concreto, o acórdão recorrido negou vigência a esse dispositivo legal, divergindo da tese jurídica vinculante ora proposta, bem como do entendimento estabelecido sobre a matéria em precedentes específicos do STJ (REsp 1.999.532/RJ; AgInt no REsp 2.101.253/SP;

AgInt no REsp 2.119.096/SP e AgInt no REsp 2.148.053/RJ).


8. Recurso especial provido.


Em outras palavras:


  1. Incidência da prescrição intercorrente: aplica-se o art. 1º, §1º, da Lei nº 9.873/1999 quando o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, ficar paralisado por mais de três anos.

  2. Natureza administrativa (não tributária): a multa será considerada administrativa quando a norma infringida tiver por finalidade primordial o controle do trânsito internacional de mercadorias ou a regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, de modo reflexo, contribua para a fiscalização tributária.

  3. Exceção tributária: não se aplica a prescrição intercorrente quando a obrigação descumprida tiver como objetivo direto e imediato a arrecadação ou a fiscalização de tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.


3.2 A ratio decidendi


O STJ destacou que não é o procedimento de apuração (Decreto nº 70.235/1972) que define a natureza do crédito, mas sim a finalidade da norma violada. Assim, infrações administrativas não se transformam em tributárias apenas por serem processadas segundo rito fiscal.


4. Reflexos no Contencioso Administrativo e Judicial


A decisão possui relevância prática imediata para contribuintes e advogados atuantes no comércio exterior:


  • Extinção de créditos não tributários: multas administrativas em processos paralisados por mais de três anos devem ser declaradas prescritas.

  • Argumentação em defesas administrativas: a invocação do Tema 1293 obriga a Receita Federal a reconhecer a prescrição intercorrente, sob pena de ilegalidade.

  • Judicialização: em ações anulatórias ou execuções fiscais de multas não tributárias, o contribuinte pode alegar a extinção do crédito, com base em precedente vinculante.

  • Segurança jurídica: o entendimento pacifica divergências entre órgãos julgadores administrativos e tribunais regionais federais.


5. Alerta


Com o Tema 1293/STJ, muitas empresas que possuem processos administrativos parados na Receita Federal — especialmente aqueles envolvendo multas aduaneiras não tributárias — poderão alegar prescrição intercorrente se esses processos estiverem paralisados por mais de três anos.


Rogerio Zarattini Chebabi

OAB/SP 175.402

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