A Lei Antitruste e o Abuso de Manifestações de Produção Nacional no Processo de Ex-Tarifário
- Rogerio Chebabi
- 3 de out.
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Resumo
O presente artigo analisa a aplicação da Lei nº 12.529/2011 (Lei Antitruste - Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) ao contexto das manifestações apresentadas por produtores nacionais em processos de concessão de Ex-Tarifário.
Demonstra-se que, quando tais manifestações não correspondem à realidade fática — por exemplo, quando alega-se fabricação local de bens (que são efetivamente importados desmontados e montados e vendidos internamente) —, ocorre prática potencialmente anticoncorrencial, capaz de falsear a concorrência e limitar a livre iniciativa. A análise dialoga com a Constituição Federal e com os princípios da ordem econômica, apontando as consequências jurídicas e os mecanismos de controle aplicáveis.
1. Introdução
O regime de Ex-Tarifário é instrumento clássico de política industrial e de investimentos no Brasil, previsto desde a década de 1950 e atualmente disciplinado pela Resolução Gecex nº 512/2023. Sua função é reduzir a alíquota do Imposto de Importação para bens de capital (BK) e bens de informática e telecomunicação (BIT) quando inexistir produção nacional equivalente.
Nesse cenário, produtores nacionais são convidados a se manifestar em consultas públicas instauradas pelo Governo Federal, a fim de declarar a existência ou não de similaridade. Todavia, quando tais manifestações são utilizadas de maneira abusiva, podem configurar práticas anticoncorrenciais, atraindo a incidência da Lei nº 12.529/2011.
2. A Lei nº 12.529/2011 e a defesa da concorrência
A Lei nº 12.529/2011 estruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e tipificou as infrações à ordem econômica. O art. 36 define como ilícitas condutas que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos:
limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
dominar mercado relevante de bens ou serviços;
aumentar arbitrariamente os lucros;
exercer de forma abusiva posição dominante.
Tais hipóteses independem da demonstração de dolo ou culpa, bastando que a conduta tenha potencial de causar efeito anticoncorrencial.
3. O falseamento da concorrência em manifestações de similaridade
No processo de Ex-Tarifário, exige-se comprovação objetiva da existência de produção nacional. Entretanto, há casos em que empresas alegam fabricar bens localmente quando, em verdade, os adquirem de fornecedores estrangeiros e apenas os nacionalizam. Os bens revendidos muitas das vezes são completamente importados ou compostos por menos de 60% de bens nacionais.
Essa prática cria a falsa percepção de que há similar nacional e, por conseguinte, leva o Estado a indeferir Ex-Tarifários que deveriam ser concedidos. O efeito econômico é claro: impedir a entrada de outros importadores no mercado e preservar artificialmente a posição de quem já atua como revendedor.
Trata-se de exemplo típico de conduta que falseia a concorrência (art. 36, §3º, I) e limita a livre iniciativa (art. 36, §3º, II):
CAPÍTULO II
DAS INFRAÇÕES
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros; e
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
(...)
§ 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:
I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:
a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;
b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;
c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;
d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;
II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;
4. A limitação indevida da concorrência e seus efeitos
A limitação indevida ocorre porque:
Importadores e usuários finais ficam restritos a um único fornecedor;
Cria-se barreira artificial à entrada de novos agentes;
Há risco de domínio de mercado relevante, sustentado não por eficiência produtiva, mas por alegações infundadas.
Do ponto de vista concorrencial, esse mecanismo é tão nocivo quanto práticas clássicas de cartelização, porque altera a alocação de mercado mediante informação enganosa ao poder público.
5. Relação com os princípios constitucionais
A Constituição Federal, em seu art. 170, IV, estabelece a livre concorrência como princípio da ordem econômica, enquanto o art. 173, §4º impõe a repressão ao abuso do poder econômico. Dessa forma, manifestações artificiais em processos de Ex-Tarifário não apenas violam a Lei Antitruste, mas também os próprios princípios constitucionais que norteiam a política econômica brasileira.
6. Implicações jurídicas e instrumentos de controle
As consequências jurídicas de manifestações abusivas são múltiplas:
No âmbito administrativo: contestação técnica perante o Gecex/MDIC, com demonstração das diferenças técnicas entre os produtos e da inexistência de fabricação nacional, traduzindo em perda de tempo que muitas vezes os importadores não dispõem.
No âmbito concorrencial: representação ao CADE, para apuração de infração à ordem econômica.
No âmbito judicial: possibilidade de arguição em sede de mandado de segurança ou ação ordinária, para afastar barreira indevida à importação.
Ajuizamento de ação contra a empresa que manifestou-se como produtora nacional, para reparar o dano, além de noticia crime sobre falsidade ideológica.
O ordenamento jurídico, portanto, oferece meios para que o mercado não seja distorcido por alegações artificiais.
Penalidades na Lei nº 12.529/2011
O art. 37 da Lei Antitruste dispõe que as infrações à ordem econômica estão sujeitas às sanções do art. 38.
As principais penalidades são:
Multa para empresas: de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa ou grupo, no último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos (art. 37, I).
Multa para pessoas físicas: de 1% a 20% da multa aplicada à empresa, quando comprovada a participação de administradores (art. 37, II).
Multa para entidades de classe e associações: de R$ 50.000,00 a R$ 2.000.000.000,00 (art. 37, III).
Sanções adicionais (art. 38, incisos II a V):
publicação da decisão condenatória em jornal de grande circulação;
recomendação a órgãos públicos para não contratar com a empresa por até 5 anos;
cisão societária, transferência de controle, venda de ativos;
proibição de exercer comércio pelo prazo de até 5 anos.
Portanto, a lei prevê multas milionárias e restrições severas.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402
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