Aposentadoria Especial e o Despachante Aduaneiro Autônomo: Reflexões a partir do Tema 1291 do STJ
- Rogerio Chebabi

- 26 de set.
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*Inaugurando nossa nova área de Direito Previdenciário, ainda não divulgada, publico artigo de interesse da classe dos despachantes aduaneiros.
1. Introdução
O exercício da atividade de despachante aduaneiro, tradicionalmente reconhecida como essencial ao comércio exterior brasileiro, envolve não apenas conhecimento técnico em legislação aduaneira e tributária, mas também a atuação prática em recintos alfandegados, portos, aeroportos e terminais de carga. Nesses ambientes, é comum a exposição a agentes nocivos – ruído excessivo, poeira, calor, vibrações e até substâncias químicas oriundas do manuseio de mercadorias.
Diante dessa realidade, o recente julgamento do Tema 1291 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) reacende a discussão sobre a aposentadoria especial dos contribuintes individuais não cooperados, categoria na qual se enquadra parcela significativa dos despachantes aduaneiros.
Não cooperado é aquele que não está vinculado a cooperativa. Assim, deve recolher diretamente sua contribuição, salvo quando o serviço é prestado a uma empresa, situação em que há retenção e recolhimento pela tomadora. O contribuinte individual não cooperado tem responsabilidade direta pelo recolhimento da contribuição previdenciária (GPS/eSocial).
2. O Tema 1291 do STJ
Em setembro de 2025, o STJ, ao julgar recurso repetitivo, fixou a seguinte tese:
"Possibilidade de reconhecimento como especial de atividade exercida por contribuinte individual não cooperado após a Lei 9.032/95, desde que comprovada a exposição a agentes nocivos, e não aplicação a contribuintes individuais da exigência de comprovação da atividade especial por formulário emitido por empresa (Tema Repetitivo: 1291)" (publicado em 18/09/2025).
Assim ficou a Ementa:
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA N. 1.291. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL NÃO COOPERADO. ATIVIDADE ESPECIAL. RECONHECIMENTO APÓS A
VIGÊNCIA DA LEI N. 9.032/1995. POSSIBILIDADE.
1. A questão submetida ao Superior Tribunal de Justiça é definir se há possibilidade de reconhecimento como especial da atividade exercida pelo contribuinte individual não cooperado após 29/04/1995, à luz do disposto no art. 22, II, da Lei n. 8.212/1991 e nos arts. 11, V, "h", 14, I, parágrafo único, 57, caput, §§ 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, e 58, caput, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/1991.
2. A legislação federal de regência, bem como o art. 201, § 1º, II, da Constituição Federal, não estabelece nenhuma distinção entre os segurados que têm direito à aposentadoria especial.
3. A limitação de aposentadoria especial imposta pelo art. 64 do Decreto n. 3.048/1999 somente aos segurados empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual cooperado excede a finalidade regulamentar do diploma legal, sendo forçoso reconhecer a ilegalidade de tal comando.
4. A exigência de comprovação da atividade especial por formulário emitido por empresa não se aplica a contribuintes individuais.
5. O princípio da solidariedade no sistema previdenciário permite que a aposentadoria especial seja concedida a contribuintes individuais, mesmo sem contribuição adicional específica.
6. Tese de julgamento: a). O contribuinte individual não cooperado tem direito ao reconhecimento de tempo de atividade especial exercida após a Lei n. 9.032/1995, desde que comprove a exposição a agentes nocivos. b) A exigência de comprovação da atividade especial por formulário emitido por empresa não se aplica a contribuintes individuais.
[...]
(REsp 2163429 RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 10/9/2025, DJEN de 18/9/2025)
(REsp 2163998 RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 10/9/2025, DJEN de 18/9/2025)
Com essa decisão, superou-se a interpretação restritiva que excluía os autônomos da possibilidade de reconhecimento de tempo especial, sob o argumento de inexistência de contribuição adicional específica (SAT/RAT).
3. O Despachante Aduaneiro e a Exposição a Agentes Nocivos
O art. 5º, do Decreto-Lei 2.472/1988, ao regulamentar -- ainda que de maneira simplista -- a profissão, já reconhecia a relevância da função do despachante aduaneiro. Contudo, pouco se debateu, até recentemente, sobre as condições ambientais de trabalho a que esses profissionais estão submetidos.
No cotidiano, muitos despachantes atuam diretamente em:
Pátios alfandegados com ruído superior a 85 decibéis, proveniente de guindastes, empilhadeiras e caminhões;
Armazéns de carga com ventilação precária e exposição a poeira e agentes químicos;
Terminais portuários e aeroportuários, em jornadas irregulares e em contato com intempéries.
Essas condições configuram, em tese, a exposição habitual e permanente a agentes nocivos, nos termos do art. 57 da Lei 8.213/91, justificando a contagem diferenciada do tempo de contribuição:
Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
4. Prova Técnica: PPP, LTCAT e Documentos Complementares
Um dos maiores desafios do despachante autônomo será a produção de prova técnica da insalubridade.
O PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), por exigência legal, deve ser emitido com base em LTCAT (Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho), assinado por engenheiro de segurança ou médico do trabalho.
Para o autônomo, a solução será contratar profissional habilitado para elaborar seu próprio PPP, tomando como base medições realizadas nos locais em que presta serviços.
Documentos como PPRA/PGR (PPRA – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais / PGR – Programa de Gerenciamento de Riscos) dos terminais, ordens de serviço, crachás de acesso, fotografias e testemunhos podem servir como prova complementar, fortalecendo o conjunto probatório.
A exigência de que a prova decorra exclusivamente de PPP emitido por empregador, segundo o STJ, não se aplica ao contribuinte individual, devendo prevalecer o princípio da razoabilidade.
5. Contribuição Previdenciária e a Ausência de SAT/RAT
O INSS sempre alegou a impossibilidade de concessão de aposentadoria especial ao autônomo, sob o argumento de inexistência de contribuição adicional específica.
O STJ afastou essa limitação, enfatizando o princípio da solidariedade previsto no art. 195 da Constituição Federal. Assim, ainda que não haja código próprio para recolhimento adicional, o direito não pode ser negado ao trabalhador que efetivamente esteve exposto a agentes nocivos.
Portanto, o despachante aduaneiro que contribui regularmente como contribuinte individual – via GPS, DAS ou RPA – não perde o direito de ver reconhecido o tempo especial.
6. Perspectivas Práticas para a Categoria
A partir do Tema 1291, abrem-se oportunidades para a categoria:
Organização de dossiês preventivos: reunir laudos, PPPs e documentos comprobatórios ao longo da vida laboral;
Atuação sindical e associativa: fomentar convênios com profissionais de segurança do trabalho para emissão de PPPs coletivos ou individuais;
Consultoria jurídica preventiva: orientar os profissionais sobre a importância de manter registros atualizados, evitando litígios complexos no futuro.
Para os despachantes que atuam predominantemente em ambiente de escritório, sem contato com recintos operacionais, o direito pode não se configurar, dada a ausência de exposição a agentes nocivos.
Rogerio Zarattini Chebabi
Advogado - OAB/SP 175.402


























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