Afastamento da Multa Aduaneira de 100% por Subvaloração e o Requisito da Má-Fé

Resumo
Este artigo examina a interpretação e aplicação do art. 703 do Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro) no que tange à penalização de importadores por subvaloração. A análise se baseia em decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região no processo nº 0802231-88.2021.4.05.8201, onde foi afastada a aplicação da multa ao reconhecer que não houve comprovação de fraude ou má-fé por parte do importador. A decisão alinha-se com jurisprudência e entendimentos doutrinários que exigem a caracterização de dolo para justificar a sanção.
Introdução
A legislação aduaneira brasileira estabelece medidas rigorosas para o controle de fraudes e subvaloração em operações de importação. Tais normas são motivadas pela necessidade de proteger a economia nacional e assegurar a arrecadação tributária. O art. 703 do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009) prevê uma multa de 100% cento sobre a diferença de valores para casos em que o preço declarado for diferente do arbitrado na forma do art. 86 ou do efetivamente praticado. Contudo, para a aplicação desta sanção, no entendimento do Judiciário é necessário comprovar a má-fé do importador, caracterizando uma diferenciação entre subfaturamento doloso e erro ou equívoco na declaração de valor, comumente denominado subvaloração.
A Subvaloração e o Subfaturamento: Conceitos Distintos
Subfaturamento e subvaloração são termos que, embora muitas vezes usados de maneira intercambiável, possuem nuances distintas. O subfaturamento, conforme o entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), implica uma intenção deliberada de ocultar o valor real das mercadorias para fins de sonegação fiscal. Por outro lado, a subvaloração ocorre quando o valor declarado não corresponde ao valor real, mas sem evidência de dolo ou intenção de fraude.
Essa distinção é importante porque a aplicação da multa de 100% exige, além do erro no valor declarado, que este seja dolosamente subfaturado. Em casos onde a diferença de valor resulta de erro ou má interpretação sem intenção fraudulenta, entende-se que a conduta deve ser tratada de forma menos gravosa.
Contexto do Processo (Ap. Cível) nº 0802231-88.2021.4.05.8201
No caso em questão, a Fazenda Nacional aplicou uma multa aduaneira sob a justificativa de que a mercadoria importada pela autora foi declarada com valor inferior ao real. Em apelação, a Fazenda Nacional sustentou que o valor declarado era incompatível com o mercado e que, portanto, caberia a penalização. Contudo, a autora apresentou documentos que atestavam sua boa-fé, demonstrando que a diferença no valor declarado não foi de sua autoria, mas sim consequência de um erro do remetente estrangeiro.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região, ao analisar o caso, concluiu que não havia elementos suficientes para comprovar a má-fé da autora, entendimento corroborado por jurisprudência do próprio CARF. Diante da ausência de dolo, a multa foi afastada, ressaltando-se que o erro no valor declarado, isoladamente, não caracteriza subfaturamento punível com a multa máxima.
Fundamento Legal e Jurisprudencial para a Exigência de Dolo
Em decisões anteriores, como no caso do Acórdão nº 3002-002.651 do CARF, ficou claro que o dolo, configurado pela fraude ou pela sonegação, é essencial para justificar a multa aduaneira. A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais e do CARF afirma que a interpretação teleológica do dispositivo exige que a Receita Federal demonstre cabalmente a intenção fraudulenta do importador.
Assim ficou decidido pelo Carf no Acórdão citado:
ASSUNTO: OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS
Data do fato gerador: 23/03/2009, 30/03/2009
SUBFATURAMENTO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO DOLO. MULTA DO ARTIGO 703 DO REGULAMENTO ADUANEIRO.
Para fins de aplicação da sanção pecuniária prevista no artigo 703 do Regulamento Aduaneiro pressupõe a demonstração de forma clara e inequívoca, por parte da Administração Pública, da intenção ou dolo do contribuinte
Este requisito se baseia no princípio da proporcionalidade, que busca evitar penalizações excessivas para atos que, embora incorretos, não foram motivados por má-fé. Dessa forma, o princípio da tipicidade em matéria tributária e aduaneira orienta que sanções de natureza punitiva, como a multa de 100%, somente se aplicam quando o ato ilícito e o dolo estejam inequivocamente configurados.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402
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