Regime de Bagagem x Regime Comum de Importação (RCI)
- Rogerio Chebabi

- 19 de ago.
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Estudo de caso fictício e reflexões jurídico-aduaneiras
Introdução
O tratamento jurídico-tributário da bagagem acompanhada de viajantes internacionais reúne grande complexidade prática, especialmente quando se discute a fronteira entre bens de uso pessoal – isentos – e mercadorias que, por sua natureza, valor ou destinação, devem ser submetidas ao Regime Comum de Importação (RCI).
À guisa de provocar reflexão, desenvolve-se, a seguir, estudo de caso fictício, inspirado em precedentes reais, demonstrando como a classificação do bem (bagagem x mercadoria), a espontaneidade da declaração, o pedido de regularização RCI e o limite das penalidades (tributação vs. perdimento) se articulam sob a lógica da jurisprudência atual do STF, STJ e TRFs.
Caso fictício
O viajante João retorna de determinado país trazendo, em sua mala, um equipamento avaliado em US$ 10.000,00. Na chegada ao Aeroporto Internacional ALF/GRU, opta pelo canal “nada a declarar”, mas é selecionado para inspeção. A Receita Federal retém o item sob o TRB, enquadrando-o no motivo 10 (“fora do conceito de bagagem”).
Na conferência, João informa que o bem se destina à empresa de sua titularidade e requer formalmente que o bem seja processado no RCI, com pagamento dos tributos de importação e das multas cabíveis.
A autoridade aduaneira, após parecer técnico favorável ao encaminhamento do pedido ao setor de despacho (EDESP), indefere o RCI, sob o fundamento de que o viajante perdeu a espontaneidade, pois ingressou no canal de nada a declarar, invocando o art. 161, §2º (fim da espontaneidade), do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), determinando, ainda, o início dos procedimentos de perdimento.
Questões jurídicas relevantes
1. O bem pode ser qualificado como “bagagem acompanhada”?
Não. O art. 155 do RA e o art. 2º da IN RFB nº 1.059/2010 definem bagagem como limitado a bens de uso, consumo pessoal ou presentes, em compatibilidade com a viagem. O bem trazido, por seu valor, tecnicidade e destinação comercial/industrial, não se qualifica como simples bagagem. A distinção é enfatizada na jurisprudência que considera que apenas “bens de caráter manifestamente pessoal” (ex: celular usado, relógio, câmera) gozam da isenção — múltiplas unidades novas ou bens técnicos afastam o regime especial.
2. Há direito ao Regime Comum de Importação mesmo após entrada no canal “nada a declarar”?
O art. 161, inciso I e §2º, do RA admite o enquadramento no RCI para itens que não se caracterizam como bagagem, desde que o viajante declare espontaneamente antes do início de qualquer procedimento fiscal que revele intenção de ocultação. A questão reside, pois, em definir: quando se inicia o “procedimento fiscal” que rompe a espontaneidade?
Interpretação estrita da RFB:
Seleção no canal “nada a declarar” implica início do procedimento.
Exclui-se o RCI como via, ordenando-se o perdimento.
Interpretação conforme finalidade e jurisprudência:
Se o viajante emite informação voluntária e imediata quanto à destinação do bem e requer o RCI, não há ofensa à finalidade do controle, mas sim tentativa de regularização.
Assim, deve-se admitir o prosseguimento do RCI, com cobrança de tributos, multas, ou condicionando a liberação à prestação de garantia idônea.
3. O perdimento é cabível nesse cenário?
A jurisprudência é pacífica em dois pontos:
Perdimento deve ser excepcional, dependente de ocultação dolosa, importação clandestina ou abandono. Não é o mecanismo padrão para importação regular passível de tributação;
Em casos de bagagem, o STJ firmou que o perdimento só recai sobre o excedente não declarado, jamais sobre o todo, nem impede a regularização fiscal do bem, quando possível.
Logo, sob a perspectiva principiológica, a Administração deve privilegiar a regularização com pagamento, reservando o perdimento para hipóteses de fraude, o que não se observa no caso fictício (erro procedimental, sem intenção de ocultação).
Conclusões do estudo
Nem todo bem trazido por viajante é “bagagem” – bens com natureza técnico-industrial devem ser processados no RCI;
A escolha pelo canal “nada a declarar” não impede, necessariamente, o acesso ao RCI, desde que o viajante não dissimule, informe de pronto a destinação e se disponha ao recolhimento tributário;
A via adequada, conforme jurisprudências, é permitir a regularização onerosa, com pagamento dos tributos e multas, destinando o perdimento somente a situações de fraude ou abandono deliberado;
A interpretação finalística do art. 161, §2º do RA, aliada aos princípios do art. 23 da LINDB (coerência decisória e proteção da confiança), impõe à Administração motivar concretamente por que recusa o RCI, quando previamente chegou a sinalizar sua viabilidade.
Reflexão final
Em matéria aduaneira, o binômio “controle + regularização” deve prevalecer sobre a pena pura e simples. É incongruente exigir alta tecnologia e profissionalização nas alfândegas, mas negar ao viajante o direito de regularizar formal e oneradamente um bem cuja própria natureza exclui o uso pessoal.
A tendência jurisprudencial indica que o RCI, sob caução ou pagamento, é solução de equilíbrio entre o interesse público arrecadatório e a segurança jurídica do viajante de boa-fé.
O perdimento, ao contrário, deve ser exceção — não regra.
Rogerio Chebabi
OAB/SP 175.402


























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