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Operações Cambiais Irregulares, “Venda a Termo" de dólares e Lastro Falso: Aspectos Jurídicos, Civis e Penais das Pirâmides Cambiais Modernas

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    Rogerio Chebabi
  • há 4 minutos
  • 4 min de leitura
Operações Cambiais Irregulares, “Venda a Termo" de dólares e Lastro Falso: Aspectos Jurídicos, Civis e Penais das Pirâmides Cambiais Modernas



1. Introdução


Nos últimos anos, multiplicaram-se no Brasil casos envolvendo supostas operações de “compra futura de moeda estrangeira”, oferecidas no varejo a consumidores comuns sob a aparência de investimentos sofisticados ou alternativas “privilegiadas” de proteção cambial. Tais modelos, muitas vezes conduzidos por intermediários não autorizados, apresentam-se como oportunidades únicas, com taxas muito inferiores à cotação oficial, liquidação diferida e promessa de “garantia total”.


À primeira vista, tratam-se de operações a termo, típicas do mercado financeiro regulado. Entretanto, um exame jurídico mais atento revela que esses arranjos não possuem lastro, não passam por instituições autorizadas e configuram operações cambiais clandestinas, frequentemente estruturadas como pirâmides financeiras com roupagem de hedge cambial.


Este artigo examina, sob uma perspectiva estritamente técnica, os elementos que caracterizam tais esquemas, suas implicações jurídicas e as medidas judiciais e criminais cabíveis ao investidor lesado.


2. A Anatomia Jurídica do Golpe: o “Dólar Futuro Paralelo”


Em diversos casos analisados pelo Ministério Público, Polícia e Banco Central, verifica-se a repetição de um mesmo padrão operacional, que pode ser resumido em seis eixos principais:


2.1. Oferta de taxa extremamente vantajosa e incompatível com o mercado


Indivíduos são convencidos a adquirir moeda estrangeira “com entrega futura” a valores artificialmente baixos (por exemplo, dólar a R$ 3,70 quando a cotação oficial supera R$ 5,50).


Nenhuma instituição financeira séria — banco, corretora, DTVM ou instituição autorizada pelo Banco Central — consegue operar com “taxas privilegiadas” inferiores ao câmbio oficial, justamente porque o preço da moeda reflete oferta, demanda e custo de hedge.


Taxas irreais funcionam como instrumento de captação. Seu único objetivo é gerar ilusão de vantagem, não lastro econômico.


2.2. Liquidação projetada para longo prazo


A liquidação costuma ser prometida para prazos de seis meses a dois anos. Este diferimento prolongado permite que o operador:


  • capte continuamente novos recursos;

  • utilize depósitos recentes para honrar pagamentos antigos;

  • oculte a inexistência de lastro;

  • ganhe tempo para dissipar patrimônio.


Trata-se de dinâmica típica de pirâmides financeiras, também chamada de “modelo Ponzi cambial”.


2.3. Ausência completa de contrato, termo de câmbio, documentação ou registro


Em tais operações, raramente há:


  • contrato formal;

  • termo de fechamento;

  • número de operação;

  • registro no Sistema de Câmbio;

  • documento de instituição autorizada;

  • assinatura digital;

  • qualquer forma de compliance.


Tudo se resume a conversas informais, muitas vezes via aplicativos de mensagens. Esse grau de informalidade jamais seria admitido em operações cambiais legítimas.


2.4. Recebimento dos valores por terceiros estranhos à operação


Outro elemento recorrente é a indicação de contas bancárias de pessoas físicas ou empresas sem relação formal com o suposto operador, para recepção de quantias elevadas.


Esta triangulação é um dos sinais mais clássicos de fraude.


2.5. Inexistência de lastro: o “modelo do lastro falso”


Em alguns casos, o operador afirma ter:


  • mesa de câmbio internacional;

  • acesso a taxas especiais;

  • acordos com instituições estrangeiras;

  • operações estruturadas.


Tudo, porém, sem qualquer comprovação documental. Esse comportamento caracteriza o chamado lastro falso, já identificado pelo Banco Central em ofertas clandestinas de câmbio, crédito e investimento.


2.6. Resistência à devolução antecipada


Quando o investidor questiona a possibilidade de resgatar os valores antes da data, a resposta é invariavelmente evasiva:“ não é recomendável”, “tem prazo certo”, “pode gerar custo”, “precisa aguardar”.


A justificativa é sempre nebulosa, mascarando a realidade: não há liquidez porque não há moeda.


3. Enquadramento Jurídico: Aspectos Civis e Penais


3.1. Ilegalidade financeira e cambial


As operações descritas configuram a prática de atividades privativas de instituições autorizadas pelo Banco Central:


  • compra e venda de moeda

  • operações de câmbio

  • atividade equiparável a instituição financeira


Assim, o agente irregular pode incorrer nos seguintes crimes:


a) Art. 16 da Lei 7.492/86 — Operar instituição financeira, inclusive de forma clandestina, sem a devida autorização.

b) Art. 17 da Lei 4.595/64 — Exercício clandestino de atividade financeira

c) Art. 22 da Lei 7.492/86 — Operação cambial não autorizada

d) Art. 171 do CP — Estelionato

e) Lei 1.521/51 — Pirâmide financeira (crime contra a economia popular)

f) Lei 9.613/98 — Ocultar ou dissimular bens, direitos ou valores provenientes de infração penal.


São crimes formais, consumados no momento da captação dos valores, independentemente de entrega futura acontecer ou não.


3.2. Responsabilidade civil: teoria da aparência e solidariedade


Mesmo que a empresa formal negue relação com o preposto, o Direito Civil admite:


  • responsabilidade solidária,

  • teoria da aparência,

  • culpa in eligendo e culpa in vigilando.


Ademais, quando a empresa permite que prepostos atuem sob sua marca, responde integralmente pelos danos.


4. Medidas Judiciais Cabíveis ao Investidor Lesado


Diante de indícios de fraude ou risco de dissipação patrimonial, o judiciário tem admitido:


4.1. Ação de ressarcimento


Com pedidos de:

  • indenização,

  • devolução integral dos valores,

  • danos materiais,

  • danos morais quando caracterizada violação à boa-fé objetiva.


4.2. Tutela cautelar de urgência


Para:

  • bloqueio via SISBAJUD,

  • indisponibilidade de veículos (RENAJUD),

  • indisponibilidade de imóveis (averbação),

  • quebra de sigilo bancário e fiscal (art. 1º da LC 105).


4.3. Averbação de protesto contra alienação de bens


Medida excepcional, porém admitida para proteção do credor.


4.4. Notitia criminis


A comunicação ao Ministério Público é adequada e, em certos casos, indispensável, para possibilitar:


  • investigação criminal,

  • buscas e apreensões,

  • bloqueios,

  • cautelares penais patrimoniais.


5. A Dinâmica Econômica que Quebra o Mito da “Taxa Travada”


O preço prometido ao consumidor é, normalmente, matematicamente impossível.


Exemplo típico:


  • Dólar oficial: R$ 5,50

  • Preço oferecido: R$ 3,77

  • Entrega futura: R$ 5,40


O ganho implícito ultrapassa 45% ao ano, algo incompatível com:


  • câmbio futuro da B3,

  • contratos a termo,

  • NDFs,

  • swaps,

  • hedge cambial interbancário.


Nenhuma operação legal oferece esse retorno sem risco.


6. Conclusão: A proteção do investidor e a importância da intervenção estatal


Operações cambiais irregulares têm ganhado sofisticação e aparência de legitimidade, sobretudo com o uso de aplicativos de mensagens, perfis corporativos e linguagem técnica simulada. Todavia, sua essência permanece a mesma: captação ilegal, ausência de lastro, promessa irreal e risco sistêmico.


Do ponto de vista jurídico, tais esquemas violam simultaneamente normas:


  • civis,

  • cambiais,

  • financeiras,

  • penais.


E exigem resposta coordenada:


  • do Poder Judiciário,

  • do Ministério Público,

  • do Banco Central,

  • e dos órgãos de persecução penal especializados.


Somente com bloqueios patrimoniais tempestivos, investigações eficazes e responsabilização exemplar será possível impedir que esses golpes continuem lesando consumidores — muitas vezes pessoas físicas que buscam apenas proteção financeira em um ambiente econômico volátil.


Rogerio Zarattini Chebabi

OAB/SP 175.402

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