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A IN RFB nº 2.292/2025 e o Desmonte da Profissão de Despachante Aduaneiro: Uma Análise da Ilegalidade e as Medidas Judiciais Cabíveis

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    Rogerio Chebabi
  • há 2 minutos
  • 5 min de leitura
A IN RFB nº 2.292/2025 e o Desmonte da Profissão de Despachante Aduaneiro


Introdução


A recente publicação da Instrução Normativa RFB nº 2.292, de 18 de novembro de 2025, foi apresentada ao público como um marco de modernização e simplificação dos procedimentos de habilitação para operar no comércio exterior. De fato, a norma consolida regras e digitaliza processos, avanços que são bem-vindos. Contudo, sob o manto da modernização, esconde-se uma alteração estrutural que funciona como um verdadeiro "Cavalo de Troia" regulatório: a permissão para que pessoas jurídicas atuem como representantes aduaneiros.


Este artigo sustenta a tese de que tal modificação, contida no novo Art. 15 da IN 1984, constitui um ato flagrantemente ilegal, que viola a hierarquia das normas e o princípio da legalidade, promovendo o desmonte de uma profissão regulamentada e exigindo uma resposta judicial imediata e contundente por parte das entidades de classe.


A Blindagem Legal da Profissão de Despachante Aduaneiro (Pré-IN 2292)


O ordenamento jurídico brasileiro, até a publicação da IN 2292, construiu um ecossistema normativo coeso e hierarquizado para a representação de terceiros perante a autoridade aduaneira. A profissão de Despachante Aduaneiro não é uma criação arbitrária, mas sim uma atividade técnica regulamentada por normas de estatura superior, que garantem a segurança jurídica e fiscal das operações de comércio exterior.


A base dessa proteção reside em três pilares fundamentais:


  • Primeiro Pilar: Decreto-Lei nº 2.472/1988


Este diploma, com força de Lei, instituiu formalmente as profissões de Despachante Aduaneiro e Ajudante de Despachante Aduaneiro, conferindo-lhes um status legal que não pode ser ignorado ou suprimido por um ato administrativo inferior. A profissão não é uma mera atividade comercial, mas uma profissão regulamentada pelo Estado, o que implica na existência de requisitos de qualificação, registro e responsabilidade profissional.


  • Segundo Pilar: Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro)


Este decreto presidencial, que regulamenta a legislação aduaneira, é explícito ao delinear os contornos da representação. O Art. 808 lista as atividades que constituem o despacho aduaneiro, incluindo a preparação de documentos, a subscrição de declarações, a ciência de intimações e o acompanhamento de verificações.


O Art. 809, por sua vez, determina de forma taxativa que as atividades listadas no art. 808 só podem ser exercidas pelo próprio declarante (importador/exportador) ou por um Despachante Aduaneiro. Finalmente, o Art. 810 define o Despachante Aduaneiro como uma pessoa física, que, para exercer a profissão, deve cumprir uma série de requisitos rigorosos, incluindo aprovação em exame de qualificação técnica, inscrição em registro mantido pela Receita Federal, e observância de normas deontológicas.


Fica claro, portanto, que a legislação superior (Lei e Decreto) criou um sistema fechado e protegido, baseado na pessoalidade e na qualificação técnica do representante, garantindo que apenas profissionais habilitados e fiscalizados pudessem atuar em nome de terceiros.


A Ilegalidade Flagrante da IN 2292/2025


A IN 2292, ao alterar o Art. 15 da IN 1984, rompe com essa lógica de forma abrupta e, sustentamos, ilegal. O novo texto passa a dispor:


"Art. 15. Representante é a pessoa física ou jurídica que representa o declarante de mercadorias..."


A simples inclusão da expressão "ou jurídica" representa um excesso do poder regulamentar da Receita Federal e uma violação direta a princípios basilares do Direito Administrativo.


1. Violação Direta à Hierarquia das Normas: 


O princípio da hierarquia das normas, pilar do nosso sistema jurídico, estabelece que um ato normativo inferior (Instrução Normativa) não pode contrariar, inovar ou revogar disposições de uma norma superior (Decreto, Lei). A IN 2292, ao permitir a representação por pessoa jurídica, entra em conflito direto com o Art. 810 do Regulamento Aduaneiro, que restringe a figura do representante à pessoa física.


A jurisprudência dos tribunais superiores é pacífica no sentido de anular atos administrativos que extrapolam os limites de seu poder regulamentar para contrariar a lei ou o decreto que visam regulamentar.


2. Excesso de Poder Regulamentar e Violação ao Princípio da Legalidade: 


À Administração Pública, vigora o princípio da legalidade estrita (Art. 37, CF/88), segundo o qual o administrador só pode fazer o que a lei expressamente autoriza. A Receita Federal tem a competência para expedir instruções para a boa execução das leis e decretos, mas não para legislar. Ao criar uma nova categoria de representante aduaneiro (a pessoa jurídica), a RFB inovou na ordem jurídica, usurpando a competência do Congresso Nacional e da Presidência da República.


O exemplo mais gritante é a nova figura do Operador de Transporte Multimodal (OTM) como representante (Art. 15, § 1º, III-A), que poderá ser representado por um mero "empregado com vínculo exclusivo", sem qualquer menção à necessidade de que este seja um Despachante Aduaneiro. Isso, na prática, esvazia a profissão.


Medidas Judiciais Urgentes para Entidades de Classe


Diante deste cenário de flagrante ilegalidade, a inércia não é uma opção. As entidades de classe, como os Sindicatos dos Despachantes Aduaneiros e a Federação Nacional (FEADUANEIROS), possuem plena legitimidade ativa para defender os interesses da categoria em juízo. Duas vias processuais se apresentam como adequadas e viáveis: a Ação Declaratória de Nulidade de Ato Administrativo e a Ação Civil Pública.


Opção 1: Ação Declaratória de Nulidade de Ato Administrativo


A Ação Declaratória é um instrumento processual que permite ao Judiciário declarar a nulidade de um ato administrativo que viola a lei e pode ser proposta por sindicatos e associações. Neste caso, a ação buscaria a declaração de nulidade parcial da IN 2292, especificamente da expressão "ou jurídica" contida no caput do Art. 15, bem como dos incisos do mesmo artigo.


As vantagens dessa ação são significativas. Primeiro, ela permite a concessão de medida liminar (tutela de urgência) para suspender imediatamente a aplicação dos dispositivos ilegais, protegendo o mercado de trabalho da categoria enquanto a ação tramita. Segundo, a ação pode ser impetrada perante a Justiça Federal, que é competente para questionar atos da Receita Federal. Terceiro, o direito da categoria está pré-constituído pela simples comparação entre o texto da IN 2292 e as normas hierarquicamente superiores (Decreto 6.759/09 e Decreto-Lei 2.472/88), não exigindo prova técnica complexa.


O pedido central deve ser claro: a declaração de nulidade parcial do ato normativo, por extrapolar o poder regulamentar da Receita Federal e violar frontalmente a legislação federal que rege a matéria.


Opção 2: Ação Civil Pública (ACP)


A Ação Civil Pública é um instrumento processual especialmente adequado para a defesa de interesses coletivos ou difusos. Neste caso, a categoria profissional dos Despachantes Aduaneiros constitui um interesse coletivo claramente identificável, uma vez que todos os membros da profissão são afetados pela mesma ilegalidade.


A legitimidade ativa para propor ACP é conferida, entre outros, ao Ministério Público e associações de classe. A ADAB (Associação dos Despachantes Aduaneiros do Brasil) têm legitimidade plena para ajuizar a ação em defesa dos interesses da categoria.


A ACP permite, igualmente, o pedido de medida liminar para suspender a aplicação dos dispositivos ilegais. Além disso, a sentença proferida em ACP tem eficácia erga omnes (contra todos), o que significa que a declaração de nulidade beneficiará não apenas os membros da entidade autora, mas toda a categoria profissional. Adicionalmente, a ACP permite o pedido de condenação da União ao pagamento de indenização pelos danos causados à categoria durante o período em que a norma ilegal esteve em vigor.


O pedido central da ACP deve ser a condenação da União a cessar a aplicação da expressão "ou jurídica" do Art. 15 e dos dispositivos correlatos, sob pena de multa diária (astreinte), e a declaração de nulidade parcial da IN 2292 nesses pontos.


É hora dos despachantes se unirem antes que a RFB prejudique ainda mais esta profissão.


Rogerio Zarattini Chebabi

OAB/SP 175.402



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