top of page

A Abusividade nas Tarifas de Armazenagem Portuária: Uma Análise da Jurisprudência do TJSP

  • Foto do escritor: Rogerio Chebabi
    Rogerio Chebabi
  • 26 de nov.
  • 5 min de leitura

A Abusividade nas Tarifas de Armazenagem Portuária: Uma Análise da Jurisprudência do TJSP

Introdução


A relação entre importadores e terminais portuários é um pilar do comércio exterior brasileiro, mas frequentemente se torna um campo de batalha jurídico, especialmente no que tange aos custos de armazenagem de mercadorias. De um lado, os terminais, na qualidade de depositários, invocam o direito de retenção da carga como garantia pelo pagamento de seus serviços, um direito assegurado pelo Código Civil. Do outro, os importadores se veem diante de tabelas de preços unilaterais e cobranças que, em muitos casos, superam em múltiplas vezes o próprio valor da mercadoria retida, configurando uma situação de onerosidade excessiva e, por vezes, de coação econômica.


Este artigo jurídico propõe-se a analisar como o Poder Judiciário, com destaque para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), tem equilibrado essa delicada balança. A análise se aprofundará em duas decisões emblemáticas que não apenas reconheceram a abusividade de tais cobranças, mas também estabeleceram importantes precedentes sobre os limites do direito de retenção e a prevalência de princípios como a modicidade tarifária e a boa-fé objetiva. Os casos em questão são sao do TJSP, que ilustram a consolidação de um entendimento favorável aos importadores contra práticas comerciais desproporcionais.


O Arcabouço Jurídico: Entre o Direito de Retenção e a Modicidade Tarifária


O conflito se instala na intersecção de diferentes normas. O Art. 644 do Código Civil confere ao depositário o direito de reter o bem até que seja pago pelos serviços prestados. Contudo, este direito não é absoluto e encontra limites em outros princípios fundamentais do ordenamento jurídico. Vejamos o que diz:


Art. 644. O depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague a retribuição devida, o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se refere o artigo anterior, provando imediatamente esses prejuízos ou essas despesas.


Parágrafo único. Se essas dívidas, despesas ou prejuízos não forem provados suficientemente, ou forem ilíquidos, o depositário poderá exigir caução idônea do depositante ou, na falta desta, a remoção da coisa para o Depósito Público, até que se liquidem.


A Lei nº 12.815/2013, conhecida como a nova Lei dos Portos, estabelece em seu Art. 3º, inciso II, a "garantia da modicidade das tarifas e preços praticados" como uma das diretrizes essenciais para a exploração dos portos e instalações portuárias. Este princípio visa assegurar que os custos dos serviços portuários não se tornem um entrave ao comércio e à competitividade, funcionando como um importante vetor interpretativo para aferir a legitimidade das cobranças.


Adicionalmente, o próprio Código Civil impõe, em seu Art. 422, que os contratantes são obrigados a guardar, na execução dos contratos, os princípios de probidade e boa-fé. A imposição de valores exorbitantes, que inviabilizam a retirada da mercadoria e criam uma dívida impagável, representa uma clara violação da boa-fé objetiva, que veda o comportamento contraditório e o abuso de direito.


Análise de Precedentes Relevantes do TJSP


As decisões a seguir detalhadas demonstram como o TJSP tem aplicado esses princípios para coibir abusos, mesmo quando os terminais se escudam em tabelas de preços supostamente aprovadas pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ).


O Caso "A": A Discrepância de 1.400% como Prova da Abusividade


No julgamento do Processo, determinada Vara Cível de Santos se deparou com um caso gritante de desproporcionalidade. A empresa importadora, foi cobrada em R$ 85.000,00 por 11 dias de armazenagem, enquanto em operações idênticas e recentes, com o mesmo terminal, havia pago valores na ordem de R$ 6.000,00 por um período superior (15 dias). A diferença representava um aumento de mais de 1.400%.


O juiz, em sua sentença, rechaçou a defesa do terminal de que os preços eram públicos e de conhecimento geral. A decisão ressaltou que a liberdade de preços não autoriza a fixação de valores exorbitantes e que a tabela pública não presume a concordância do importador com a abusividade. Disse que ainda que os preços possam ser estabelecidos de forma livre, cabendo exclusivamente ao poder concedente fiscalizar eventual abuso, não isso significa que as empresas possam fixar preços exorbitantes sem qualquer justificativa e em total descompasso ao usualmente praticado no mercado, em ofensa direta à diretriz de garantia da modicidade das tarifas e preços praticados, prevista na Lei dos Portos.


O resultado foi a declaração de nulidade das faturas e a determinação de que o valor fosse recalculado com base em uma proposta comercial anterior, emitida pelo próprio terminal, que refletia o patamar de mercado. A decisão, posteriormente confirmada em acórdão, estabeleceu que a comparação com operações anteriores é uma prova robusta da abusividade.


O Caso "B": A Ilegalidade do Adicional e a Restituição do Valor Pago


No Processo, determinada Vara Cível de São Paulo analisou a cobrança de um "adicional de 100%" sobre a tarifa de armazenagem de contêineres do tipo "Open Top". A importadora foi cobrada em R$ 121.000,00 por 17 dias de armazenagem, sendo compelida a pagar R$ 80.000,00 após uma negociação para conseguir a liberação da carga.


O juiz julgou a ação procedente, declarando a inexigibilidade do adicional de 100% e condenando o terminal a restituir R$ 54.000,00 pagos a maior. A decisão é notável por dois pontos:


  1. O ônus da justificativa é do terminal: O juiz entendeu que o adicional carecia de justificativa técnica suficiente, sendo desproporcional ao custo adicional efetivamente gerado.


  1. A negociação como confissão: A decisão utilizou o próprio desconto concedido pelo terminal como uma prova da abusividade inicial.


A sentença dizia que a própria ré reconheceu implicitamente a excessividade dos valores ao conceder desconto alto durante as negociações, evidenciando que os valores iniciais eram efetivamente abusivos. Tal conduta demonstra que havia margem significativa para redução, confirmando a onerosidade excessiva da cobrança original.


Este precedente é de suma importância, pois não apenas reduz a dívida, mas estabelece o direito do importador de reaver valores que tenha sido forçado a pagar para liberar sua mercadoria.


Teses Jurídicas Consolidadas e Estratégias Processuais


As decisões analisadas consolidam um roteiro claro para o importador que se sentir lesado. A estratégia processual mais eficaz consiste na propositura de uma Ação Declaratória de Inexigibilidade de Débito cumulada com Obrigação de Fazer e Pedido de Tutela de Urgência.


O objetivo da tutela de urgência é obter a liberação imediata da mercadoria mediante uma caução, estancando o prejuízo diário e permitindo que a discussão sobre o valor ocorra sem a pressão da retenção da carga.


As teses jurídicas com maior probabilidade de êxito, conforme a jurisprudência, são:

Tese Jurídica

Fundamento

Aplicação Prática

Violação da Modicidade Tarifária

Art. 3º, II, Lei nº 12.815/2013

Demonstrar que a tarifa cobrada foge completamente ao razoável e cria um entrave desproporcional à operação comercial.

Abuso de Posição Dominante

Art. 173, § 4º, CF; Art. 422, CC

Argumentar que o terminal se vale de sua posição de poder e da ausência de alternativa para o importador para impor condições unilaterais e abusivas.

Onerosidade Excessiva

Art. 478, CC (por analogia)

Provar, por meio de laudos, cotações e operações anteriores, que o valor cobrado é excessivamente oneroso e desequilibra a relação contratual.

Vedação ao Enriquecimento Sem Causa

Art. 884, CC

Sustentar que a cobrança exorbitante gera um enriquecimento ilícito para o terminal, sem uma contraprestação de serviço que o justifique.



Conclusão


A jurisprudência recente do Tribunal de Justiça de São Paulo, exemplificada, envia uma mensagem clara aos terminais portuários: o direito de retenção não é um salvo-conduto para a prática de preços abusivos.


A análise judicial tem sido criteriosa ao ponderar os interesses em jogo, fazendo prevalecer os princípios da modicidade tarifária, da boa-fé objetiva e da razoabilidade.


Para os importadores, esses precedentes representam uma ferramenta jurídica poderosa. Eles demonstram que é possível e viável questionar judicialmente as cobranças de armazenagem, com altas chances de sucesso na obtenção de liminares para a liberação da carga e, no mérito, na redução dos valores ou até na restituição de quantias indevidamente pagas.


A chave para o êxito reside na robusta comprovação da desproporcionalidade da cobrança e na articulação de uma estratégia processual que priorize a rápida liberação da mercadoria, mitigando os prejuízos e permitindo uma discussão justa sobre o valor dos serviços prestados.



ROGERIO ZARATTINI CHEBABI

OAB/SP 175.402

Comentários


Posts Em Destaque
Ainda não há posts publicados nesse idioma
Assim que novos posts forem publicados, você poderá vê-los aqui.
Posts Recentes

CNPJ 30.914.442/0001-04, Registro na OAB/SP n. 26465 

© 2023 - Site desenvolvido por ROGERIO CHEBABI SOCIEDADE DE ADVOGADOS

bottom of page