A Responsabilidade Civil do Agente de Carga no Transporte Aéreo Internacional de Mercadorias
O transporte aéreo internacional é regido por uma série de normas e tratados internacionais que delimitam a responsabilidade dos envolvidos na cadeia logística, especialmente quando há disputa sobre a integridade das mercadorias transportadas. Neste contexto, a figura do agente de carga, que opera como intermediário na coordenação dos trâmites de transporte, muitas vezes enfrenta demandas de responsabilidade por danos. Este artigo examina um caso envolvendo um agente de carga contratado para o transporte aéreo internacional de uma mercadoria, abordando as normas aplicáveis e os limites de responsabilidade estabelecidos pela Convenção de Montreal e pelo Código Civil Brasileiro.
1. Contexto da Ação
O caso analisado refere-se ao transporte aéreo internacional de um equipamento da Europa para o Brasil, sendo o agente de carga responsável pela intermediação logística da operação. A carga foi inicialmente transportada por via aérea, desembarcando no Brasil sem registros de avarias, e, posteriormente, encaminhada para o destino final por transporte rodoviário. No entanto, uma avaria foi constatada apenas ao final do trajeto, o que resultou em uma ação de ressarcimento promovida pela seguradora, que busca responsabilizar o agente de carga pelos danos constatados.
2. Alegação de Ilegitimidade Passiva e Ônus Probatório
A defesa do agente de carga fundamentou-se na ilegitimidade passiva, sustentando que a função do agente de carga, segundo as disposições do Código Civil e da Convenção de Montreal, limita-se à intermediação logística e não inclui responsabilidade direta pela integridade da carga. Nos termos do art. 730 do Código Civil, a responsabilidade por avarias durante o transporte recai sobre o transportador, salvo em casos de força maior ou culpa exclusiva de terceiros.
Ônus da Prova
Segundo o art. 373, inciso I, do Código de Processo Civil, cabe ao autor da ação o ônus da prova dos fatos constitutivos do seu direito. Neste caso, a defesa do agente de carga alegou que a seguradora não apresentou prova conclusiva do nexo causal entre as atividades do agente e o dano. O laudo de constatação foi produzido unilateralmente, desconsiderando o princípio do contraditório e, portanto, não pode ser considerado prova suficiente para imputar responsabilidade ao agente de carga.
3. Aplicação da Convenção de Montreal
Em se tratando de transporte aéreo internacional, a Convenção de Montreal de 1999 é a norma de prevalência, conforme ratificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 210 de Repercussão Geral, que estabelece que a Convenção prevalece sobre o Código de Defesa do Consumidor (CDC) em casos de transporte internacional. A defesa argumentou que, mesmo que houvesse responsabilidade, a indenização devida deveria ser limitada conforme o artigo 22 da Convenção, que estipula um teto indenizatório de 17 Direitos Especiais de Saque (DES) por quilograma da carga danificada, a menos que houvesse uma declaração especial de valor no conhecimento de embarque.
4. Necessidade de Prova de Culpa e Nexo Causal
A responsabilidade civil objetiva aplicada aos transportadores no transporte aéreo, conforme previsto no Código Civil e na Convenção de Montreal, não se estende automaticamente ao agente de carga, que atua exclusivamente como intermediário logístico. A defesa apontou que a responsabilidade objetiva, prevista no art. 927 do Código Civil, aplica-se apenas às atividades de risco direto, e que a intermediação logística não configura risco direto de dano à carga, excluindo o agente de carga do regime de responsabilidade objetiva.
A defesa também mencionou que, conforme a doutrina de Maria Helena Diniz, é essencial o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. A defesa argumentou que o dano ocorreu no transporte rodoviário, sob a responsabilidade de um transportador subcontratado, e que não há provas de que o agente de carga tenha contribuído para o dano.
5. Limitação de Responsabilidade e Impugnação ao Valor da Indenização
Mesmo que fosse constatada alguma responsabilidade do agente de carga, a defesa argumentou que a indenização deveria respeitar os limites estabelecidos pela Convenção de Montreal. Em casos de transporte aéreo internacional, o agente de carga só pode ser responsabilizado dentro do limite de 17 DES por quilograma, caso não haja declaração especial de valor da carga. O artigo 750 do Código Civil Brasileiro também sustenta que o transportador só responde pelo valor da mercadoria, sem incluir despesas adicionais ou lucros cessantes, a menos que esses estejam expressamente acordados.
Conclusão
Este caso exemplifica os desafios jurídicos em torno da responsabilidade dos agentes de carga no transporte aéreo internacional. A aplicação da Convenção de Montreal e a observância das limitações de responsabilidade são essenciais para proteger os intermediários logísticos de uma atribuição indevida de responsabilidade por avarias de mercadorias. Assim, o agente de carga que atua estritamente na função de coordenação logística não deve ser considerado responsável pela integridade da carga, especialmente quando o dano ocorre sob a custódia de um transportador, e a indenização, caso aplicável, deve ser limitada conforme os tratados e normas internacionais aplicáveis.
Rogério Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402
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