Perdimento por Abandono - Relevação da pena - Quais multas incidem?

Resumo:
Este artigo analisa os aspectos jurídicos e procedimentais da pena de perdimento por abandono no âmbito do Direito Aduaneiro brasileiro. O foco é a regulamentação aplicável ao abandono de mercadorias em recintos alfandegados e as possibilidades de relevação da pena, incluindo as multas incidentes. A análise inclui o Decreto-Lei nº 1.455/1976 e o Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), com destaque para o procedimento administrativo e a conversão da pena em multa substitutiva, abordando as fases até a destinação final das mercadorias.
1. Introdução
A pena de perdimento por abandono é uma das sanções mais significativas no Direito Aduaneiro brasileiro, aplicada pela Receita Federal em situações onde o importador ou exportador deixa de realizar o desembaraço aduaneiro das mercadorias dentro do prazo legal. A sanção implica a perda definitiva das mercadorias em favor da União, sendo uma medida punitiva destinada a assegurar o cumprimento das obrigações fiscais e aduaneiras.
No entanto, a legislação prevê a possibilidade de regularização da situação fiscal e recuperação das mercadorias por meio da relevação da pena, desde que a destinação final dos bens ainda não tenha ocorrido. Este artigo aborda os aspectos jurídicos e procedimentais envolvidos no perdimento por abandono e as multas substitutivas aplicáveis.
2. A Pena de Perdimento por Abandono: Fundamento Legal
O perdimento por abandono está regulamentado no Decreto-Lei nº 1.455/1976 e no Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009). O abandono é configurado quando as mercadorias permanecem em recintos alfandegados além do prazo máximo estabelecido pela legislação sem que o importador ou exportador tenha realizado o despacho aduaneiro necessário para sua liberação.
De acordo com o art. 23 do Decreto-Lei nº 1.455/1976, a mercadoria é considerada abandonada se, no prazo de 90 dias, não forem iniciados os procedimentos para desembaraço aduaneiro. Esse prazo pode ser reduzido em casos específicos, a critério da autoridade aduaneira, considerando a natureza da mercadoria ou riscos à saúde e segurança.
A pena de perdimento em casos de abandono procura proteger o interesse público, evitando que mercadorias permaneçam indefinidamente sob custódia do Estado, gerando custos de armazenagem e congestionando os recintos alfandegados. Uma vez declarado o abandono, a mercadoria é formalmente perdida em favor da União, podendo ser destinada à incorporação em programas sociais, leilão ou destruição.
3. Procedimento Administrativo e Relevação da Pena de Perdimento
O procedimento para aplicação da pena de perdimento por abandono segue os trâmites administrativos previstos no Decreto nº 6.759/2009, que regula a fiscalização e controle das mercadorias no Brasil. Quando o abandono é caracterizado, a autoridade aduaneira lavra um Auto de Infração e Apreensão, no qual comunica ao importador ou seu representante legal sobre a situação das mercadorias e concede o direito de defesa.
Durante o prazo de impugnação, que é de 20 dias a partir da ciência do auto, o importador pode apresentar sua defesa ou solicitar a regularização da situação fiscal. Nesta fase, a legislação aduaneira permite a relevação da pena de perdimento mediante o pagamento de uma multa de 1% sobre o valor aduaneiro das mercadorias, conforme previsto no art. 736 e 737 do Regulamento Aduaneiro. Esta multa substitutiva permite ao importador regularizar a situação, efetuar o despacho aduaneiro das mercadorias e evitar a perda definitiva dos bens.
A relevação da pena só é possível enquanto o procedimento administrativo estiver em curso e a destinação final dos bens ainda não tiver ocorrido. Caso o importador não exerça seu direito de impugnação ou regularização dentro do prazo legal, o processo segue para a destinação final das mercadorias.
4. Conversão da Pena de Perdimento em Multa: Fase Pós-Administrativa
Após o esgotamento do prazo de impugnação e com a decisão administrativa confirmando a pena de perdimento, a mercadoria passa a ser considerada definitivamente perdida em favor da União. Nessa fase, a legislação ainda oferece uma última oportunidade para o importador recuperar seus bens, desde que a mercadoria não tenha sido destinada (leilão, destruição ou incorporação a programas sociais).
O art. 23 do Decreto-Lei nº 1.455/1976 e o art. 4º do Regulamento Aduaneiro permitem ao importador solicitar a conversão da pena de perdimento em uma multa correspondente a 100% do valor aduaneiro das mercadorias. O pagamento dessa multa substitui a perda definitiva e possibilita ao importador a liberação das mercadorias, desde que cumpridos todos os requisitos legais, incluindo o recolhimento dos tributos e encargos relacionados à importação.
Essa conversão visa evitar a destinação da mercadoria pelo Estado e é aplicável apenas até o momento em que os bens são efetivamente leiloados ou destruídos.
5. Jurisprudência Sobre o Perdimento por Abandono
A jurisprudência dos Tribunais Federais reforça o entendimento de que a multa de 1% sobre o valor aduaneiro é aplicável durante o prazo de impugnação do auto de infração. Após o encerramento do processo administrativo e a confirmação da pena de perdimento, a única forma de recuperar os bens é por meio da conversão da pena em multa de 100% do valor aduaneiro.
No Agravo de Instrumento nº 0021676-62.2012.4.03.0000/SP, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região analisou um caso de perdimento por abandono, em que o importador tentou recuperar as mercadorias após a lavratura do auto de infração. O tribunal concluiu que, uma vez aplicada a pena de perdimento e estando a mercadoria em processo de leilão, não havia mais possibilidade de relevação com multa de 1%, restando ao importador apenas a opção de pagar a multa de 100% do valor aduaneiro antes da destinação final dos bens.
Esse entendimento é importante para a consolidação da prática administrativa no Brasil, reforçando a necessidade de o importador agir de maneira tempestiva durante o processo administrativo, sob pena de perder o direito à multa reduzida e, em última análise, a própria mercadoria.
6. Conclusão
A pena de perdimento por abandono é uma das sanções mais utilizadas no Direito Aduaneiro para regularizar a situação de mercadorias deixadas em recintos alfandegados por longos períodos. O processo de aplicação da pena é formal e regulamentado, garantindo ao importador o direito de defesa e a possibilidade de regularização mediante a relevação da pena com o pagamento de uma multa de 1% sobre o valor aduaneiro, durante o curso do processo administrativo.
Após o encerramento do processo e a confirmação da pena, a única forma de evitar a perda definitiva das mercadorias é o pagamento de uma multa de 100%, o que reflete a severidade da sanção imposta e a importância de o importador cumprir com suas obrigações aduaneiras dentro dos prazos estipulados.
Portanto, a legislação aduaneira brasileira estabelece um equilíbrio entre a sanção de perdimento e as possibilidades de regularização, oferecendo mecanismos que visam tanto a proteção do interesse público quanto a recuperação das mercadorias por parte do importador.
Referências:
Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976.
Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009 (Regulamento Aduaneiro).
Jurisprudência do TRF3: AI nº 0021676-62.2012.4.03.0000/SP.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402
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