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O Absurdo de Obrigar o Despachante Aduaneiro a adiantar numerário: o caso do Min. da Saúde e o Mútuo Sujeito a IOF

  • Foto do escritor: Rogerio Chebabi
    Rogerio Chebabi
  • 14 de out.
  • 4 min de leitura

O Absurdo de Obrigar o Despachante Aduaneiro a adiantar numerário: o caso do Min. da Saúde e o Mútuo Sujeito a IOF

I. Introdução


Entre as distorções mais graves que corroem a racionalidade do Comércio Exterior brasileiro, destaca-se a prática administrativa e comercial que obriga despachantes aduaneiros e comissárias de despacho a adiantar numerário em nome de seus clientes, sem qualquer remuneração, correção monetária ou contrapartida financeira.


A situação é tão desproporcional que beira a contradição lógica: o profissional técnico, que representa o importador, termina por financiar o próprio Estado, assumindo o papel de banco informal do sistema aduaneiro. E o caso recente da Consulta Pública da DLOG/Ministério da Saúde, referente à importação de insumos de saúde, é o retrato perfeito desse desequilíbrio.



II. O caso do Min. da Saúde e o adiantamento compulsório


No Caderno da Consulta Pública nº 01/2025, o Ministério da Saúde prevê expressamente que a empresa contratada — necessariamente comissária ou despachante — deverá custear antecipadamente valores entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões relativos a armazenagem, capatazia, demurrage e demais taxas portuárias, para somente depois serem ressarcidos em até 30 dias.


O Caderno da Consulta Pública nº 01/2025 – DLOG/SE/MS é o documento oficial publicado pelo Departamento de Logística em Saúde (DLOG) do Ministério da Saúde, que estrutura a fase preparatória de uma licitação destinada à contratação de serviços especializados de desembaraço aduaneiro para medicamentos, equipamentos e outros insumos estratégicos de saúde. Vejamos o trecho atacado pelo artigo:


"Prevê-se, aproximadamente, 700 operações de desembaraço (processos de importação e/ou exportação) por ano podendo chegar a 1.050 operações, dependendo dos contratos que serão firmados e considerando o histórico de importações de insumos estratégicos pela Pasta. Esse número poderá ser revisto conforme a demanda efetiva.


Além disso, estima-se o montante de R$ 1.000.000,00 a R$ 5.000.000,00 em taxas e despesas marítimas/portuárias (armazenagem, capatazia, limpeza de contêineres, demurrage, entre outras) a serem custeadas antecipadamente pela contratada e posteriormente ressarcidas pelo Ministério da Saúde, nos termos e prazos estabelecidos no contrato (ressarcimento em até 30 dias mediante comprovação)."


Paralelamente, impõe-se à contratada o dever de protocolar pedidos de inspeção sanitária na ANVISA em até seis horas úteis após a chegada da carga, e de adiantar eventuais custos associados à análise.


Ou seja, o próprio edital reconhece que a execução do contrato depende do uso de capital de giro próprio do despachante, que precisará financiar as operações sob risco de atraso no reembolso. O documento ainda exige solidez financeira para suportar o adiantamento de despesas elevadas — verdadeira confissão de que o Estado transferiu ao particular o dever de bancar o serviço público.



III. A natureza jurídica do adiantamento: um mútuo oneroso disfarçado


Nos termos do art. 586 do Código Civil, “o mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis, em que o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu, em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”.


Ora, quando o despachante desembolsa, com recursos próprios, valores de taxas públicas ou privadas para posteriormente ser reembolsado, há todos os elementos caracterizadores do mútuo:


  1. Transferência de numerário;

  2. Obrigações de restituição (ainda que com prazo fixado unilateralmente pelo Estado);

  3. Ausência de remuneração ou atualização;

  4. Desvio de finalidade contratual (pois o despachante é técnico, não financiador).


Mais grave: o mútuo entre particulares, ainda que gratuito, é fato gerador de IOF, conforme o art. 13, inciso II, do Decreto nº 6.306/2007 (Regulamento do IOF). A incidência do imposto não se restringe a operações bancárias — alcança qualquer empréstimo de recursos entre pessoas jurídicas.


Assim, o adiantamento compulsório praticado pelas comissárias pode configurar operação de crédito sujeita ao IOF, o que agrava ainda mais a onerosidade de uma obrigação já ilegal e desproporcional.


Em linguagem simples: o despachante é obrigado a emprestar dinheiro ao Estado — e ainda pagar IOF sobre o empréstimo.



IV. A ausência de fundamento legal e a violação de princípios constitucionais


Não há nenhum dispositivo legal que imponha ao despachante a obrigação de custear encargos da operação. Trata-se, portanto, de imposição sem amparo legal, afrontando o princípio da legalidade administrativa) desrespeitando princípios de proporcionalidade e razoabilidade nos atos da Administração.


Além disso, ao reter o numerário pago pelo particular sem atualização, o Estado incorre em enriquecimento sem causa e transferência indevida de risco empresarial, prática repudiada pela jurisprudência administrativa e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).


V. A distorção econômica: capital de giro e risco sistêmico


Do ponto de vista financeiro, o adiantamento gera um desequilíbrio de capital de giro. Empresas de despacho e comissárias, de margens operacionais reduzidas, acabam substituindo o Estado em sua função de arrecadador e pagador. Isso cria um risco sistêmico, pois a inadimplência ou atraso no reembolso pode levar à descapitalização de pequenos operadores, favorecendo apenas grandes grupos com capacidade financeira — e, por consequência, reduzindo a concorrência no setor.


Em última análise, o modelo desestimula a competitividade e viola o princípio constitucional da livre iniciativa.


VI. A solução jurídica e contratual necessária


Para corrigir essa distorção, impõe-se que:

  1. Os editais públicos segreguem o preço do serviço do reembolso de despesas, de modo que o despachante não se torne intermediário financeiro;

  2. Os valores adiantados sejam atualizados pela taxa SELIC, com multa moratória de 2% e reembolso automático em até 30 dias;

  3. Seja incluída cláusula de reequilíbrio econômico-financeiro para compensar variações cambiais e aumento de tarifas portuárias;

  4. E, sobretudo, que se reconheça que o adiantamento de numerário ao Estado configura operação de crédito sujeita à tributação e, portanto, deve ser abolida por sua ineficiência e ilegalidade.


VII. Conclusão


O caso expõe, de forma incontornável, a contradição de um sistema que exige do despachante aduaneiro não somente competência técnica, mas também vocação de banqueiro. Trata-se de uma aberração jurídica, econômica e moral: o Estado, incapaz de organizar seu fluxo financeiro, se apropria do capital de giro do particular, impõe-lhe o risco da inadimplência e ainda cobra IOF sobre o empréstimo involuntário.


Em um país que almeja modernizar o comércio exterior, é inadmissível que o despachante continue financiando o governo — sem juros, sem correção, e com o ônus tributário de quem empresta.



Rogerio Zarattini Chebabi

OAB/SP 175.402

1 comentário


Jose Roberto
Jose Roberto
14 de out.

O problema são as comissarias que aceitam trabalhar desta maneira, bem como outras que trabalham com valores pifios de serviços e sem SDAS, prejudicando toda uma classe .

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