Análise da Regulamentação de Demurrage e Detention no Transporte Marítimo
- Rogerio Chebabi

- 18 de ago.
- 4 min de leitura

Análise à Luz das Normas da ANTAQ e da Jurisprudência Recente
Introdução
No âmbito do transporte marítimo internacional, as cobranças de demurrage e detention representam mecanismos indenizatórios destinados a compensar a imobilização indevida de contêineres, preservando a eficiência operacional da cadeia logística. Essas figuras jurídicas, regidas por contratos de transporte e normas regulatórias, envolvem uma complexa alocação de riscos entre usuários, transportadores, terminais e depósitos.
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), como ente regulador, desempenha papel central na definição de direitos e deveres, conforme estabelecido na Resolução nº 62/2021 e em acórdãos subsequentes. O presente artigo examina os conceitos essenciais, o marco regulatório, decisões administrativas emblemáticas, entendimentos jurisprudenciais do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e uma matriz de riscos, com o objetivo de oferecer uma visão sistemática e prática para profissionais do setor.
Conceitos Essenciais
Free Time (Livre Estadia)
O free time constitui uma janela contratual de franquia temporal, durante a qual o uso do contêiner é gratuito, devendo ser pactuada e divulgada até a confirmação do booking. Essa período isenta o usuário de cobranças de sobre-estadia, com marcos inicial e final definidos operacionalmente, preferencialmente documentados em trocas de e-mails. A suspensão da contagem é admitida em hipóteses de caso fortuito ou força maior não imputáveis ao usuário, conforme normatização regulatória.
Demurrage na Importação
Demurrage refere-se à indenização devida pela permanência do contêiner além do free time após a descarga, enquanto o equipamento permanece sob posse do consignatário. Sua finalidade econômica reside na compensação pela imobilização do ativo, assegurando o giro da frota do transportador. A responsabilidade cessa com a devolução do contêiner vazio ao local designado.
Detention na Exportação e Retorno de Vazios
Detention aplica-se à fase pré-embarque, abrangendo o período desde a retirada do contêiner vazio para estufagem até sua devolução ou gate-in no terminal. Essa cobrança incide quando o usuário extrapola o free time por eventos sob seu risco, como atrasos na estufagem ou falhas documentais. Elementos operacionais incluem a autorização para retirada, a contagem a partir desse marco e a devolução no prazo e local estipulados. Recomenda-se inclusão contratual de cláusulas de "stop-the-clock" para eventos imprevisíveis no risco do transportador ou terminal.
Quadro Comparativo: Demurrage versus Detention
Aspecto | Demurrage (Importação) | Detention (Exportação/Retorno de Vazios) |
Momento | Pós-descarga | Pré-embarque |
Gatilho | Ultrapassagem do free time | Ultrapassagem do free time |
Término | Devolução do vazio | Gate-in do cheio ou devolução do vazio (conforme contrato) |
Risco do Negócio
O risco do negócio compreende eventos previsíveis e inerentes à atividade empresarial, assumidos voluntariamente pelo agente econômico. Caracteriza-se por previsibilidade objetiva, assunção voluntária e distinção de caso fortuito ou força maior. No transporte marítimo, influencia a alocação de custos, como atrasos em liberações aduaneiras sazonais ou oscilações de combustível, sem transferência automática a terceiros salvo previsão contratual.
Caso Fortuito e Força Maior
Esses institutos, previstos no Código Civil, excluem responsabilidade por eventos imprevisíveis e inevitáveis. Caso fortuito relaciona-se a fatores internos (ex.: pane em equipamento), enquanto força maior envolve eventos externos (ex.: catástrofes naturais). Greves não configuram tais hipóteses no entendimento jurisprudencial predominante, salvo análise concreta.
Marco Regulatório: Resolução ANTAQ nº 62/2021
A Resolução nº 62/2021 estabelece direitos e deveres de usuários, agentes intermediários e empresas nas navegações marítimas, definindo infrações administrativas. Pontos nucleares incluem a suspensão da contagem de free time por caso fortuito ou força maior não imputáveis ao usuário (art. 21, §2º, II), com cessação da responsabilidade ao entregar o contêiner cheio ou devolver o vazio (art. 21, caput). Vedações abrangem práticas discriminatórias, como retenções indevidas ou cobranças reflexas (art. 26, V), e métodos coercitivos (art. 8º, IV). A norma enfatiza transparência, isonomia e generalidade na oferta de serviços (art. 3º, VI).
No contexto de agentes de cargas, a cobrança indevida configura violação, especialmente em operações LCL ou como NVOCC, onde o agente assume posição central via Master B/L e termos de responsabilidade.
Decisões Administrativas Emblemáticas
Acórdão nº 535/2023/ANTAQ
Essa decisão negou pedido coletivo para suspensão genérica de demurrage durante greve da Receita Federal, adotando interpretação literal da Resolução nº 62/2021. Não há suspensão automática de cobranças iniciadas, exigindo-se análise casuística. A ANTAQ rejeitou provimento, comunicando aos interessados a ausência de medida para suspender cobranças já correntes.
Entendimento Regulatório da ANTAQ (31/07/2025)
Sem alterar a Resolução nº 62/2021, esse entendimento fixa que cobranças de sobre-estadia são legítimas apenas por atrasos decorrentes de interesse, opção, culpa ou risco do negócio do usuário. Excluem-se falhas do transportador, terminal ou depósito, como omissões de escala ou congestionamentos gerenciais.
Jurisprudência do TJSP: Notas Práticas
O TJSP reconhece a natureza indenizatória pré-fixada da demurrage, bastando prova de mora na devolução, sem automatismos para fortuito ou força maior. Em precedentes como a Apelação Cível nº 1017296-83.2020.8.26.0562, julgou-se improcedente cobrança quando a retenção decorreu de custódia aduaneira pela Receita Federal, configurando obstáculo imprevisível que afasta responsabilidade do consignatário. A corte enfatiza que atos estatais sem culpa do usuário isentam cobranças, promovendo discussão entre entidades alfandegárias e agentes logísticos. Relações comerciais prevalecem sobre o Código de Defesa do Consumidor, com legitimidade ativa do transportador e passiva do consignatário.
Matriz de Riscos em Detention e Demurrage
A matriz de riscos distribui responsabilidades com base no controle dos eventos causadores de atrasos, alinhada à Resolução nº 62/2021 e ao Entendimento de 31/07/2025. Excludentes incluem atos estatais ou força maior.
Eixo/Evento | Quem Assume o Risco? | Provas Recomendadas |
Estufagem/retirada/devolução por conta do usuário | Usuário | BL/booking; EDI; gates; e-mails |
Indisponibilidade/filas do terminal/depot | Transportador/terminal/depot | Comunicados; tickets; registros de janela |
Omissão de escala/atraso do armador | Transportador | Avisos; EDI; histórico de rota |
Custódia aduaneira/sanitária sem culpa do usuário | Usuário | Autos/ofícios; DI/DUIMP; cronologia |
Greve de agentes públicos | Pela ANTAQ: usuário; pelo Judiciário: União | Comprovantes de paralisação e impedimento efetivo |
Conclusão
A regulamentação de demurrage e detention pela ANTAQ equilibra eficiência logística com proteção aos usuários, enfatizando alocação racional de riscos e transparência contratual. Decisões administrativas e jurisprudenciais reforçam a necessidade de análise concreta, desestimulando cobranças abusivas. Profissionais do setor devem priorizar documentação robusta e cláusulas contratuais claras para mitigar litígios, contribuindo para uma cadeia marítima mais isonômica e previsível.
Rogerio Zarattini Chebabi
OAB/SP 175.402


























Comentários