Conselho Federal dos Despachantes Aduaneiros sem LEI nunca terá validade jurídica
- Rogerio Chebabi
- 15 de mai.
- 5 min de leitura

Introdução
A criação de conselhos profissionais no Brasil, responsáveis por regulamentar, fiscalizar e representar categorias profissionais, é uma prerrogativa exclusiva do Poder Legislativo, conforme disposto na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Essa exigência garante legitimidade jurídica e autonomia funcional, como observado no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), instituído pela Lei nº 8.906/1994.
Este artigo analisa a necessidade de uma lei específica para a criação de conselhos profissionais, utilizando a OAB como exemplo, e examina a situação dos despachantes aduaneiros.
A Federação Nacional dos Despachantes Aduaneiros (Feaduaneiros) tem se destacado por sua atuação, como na audiência de 14 de maio de 2025 com o Ministro do Trabalho, Luiz Marinho. Contudo, essa iniciativa é inócua sem uma lei que regulamente a profissão, e nem o Ministério do Trabalho, nem o Governo Federal possuem competência para criar o conselho por atos administrativos.
A Regulamentação de Conselhos Profissionais no Ordenamento Jurídico Brasileiro
A CF/88 estabelece, em seu art. 5º, inciso XIII, que o exercício profissional é livre, desde que atendidas as qualificações previstas em lei. O art. 22, inciso XVI, atribui à União a competência privativa para legislar sobre as condições para o exercício de profissões, o que implica que a criação de conselhos profissionais deve ser feita por lei formal, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República. Normas infralegais, como decretos ou portarias, podem detalhar aspectos operacionais, mas não têm legitimidade para instituir profissões ou conselhos.
O art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) reforça essa exigência, ao revogar, 180 dias após a promulgação da CF/88 (4 de abril de 1989), normas que delegavam ao Poder Executivo a competência para regulamentar direitos e obrigações profissionais sem base em lei formal. Esse dispositivo, aliado ao princípio da legalidade (art. 5º, inciso II, CF/88), impede que o Executivo crie conselhos profissionais sem autorização legislativa.
Conselhos profissionais, como a OAB, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA), são autarquias especiais de direito público, criadas por lei, com funções de normatização, fiscalização e representação. A ausência de uma lei específica inviabiliza sua criação, comprometendo sua legitimidade e autonomia.
Competência para Criação de Conselhos Profissionais
A criação de conselhos profissionais é uma atribuição exclusiva do Poder Legislativo, conforme o art. 22, inciso XVI, da CF/88, que confere à União a competência para legislar sobre as condições para o exercício de profissões. Essa competência é exercida pelo Congresso Nacional, que elabora e aprova leis federais, posteriormente sancionadas pelo Presidente da República. O art. 84, inciso IV, da CF/88, limita o Poder Executivo a sancionar, promulgar e executar leis, permitindo a emissão de decretos apenas para sua fiel execução, sem criar novas obrigações ou direitos que exijam lei formal.
O Ministério do Trabalho, como órgão do Executivo, pode propor projetos de lei ou regulamentar aspectos operacionais de leis existentes, mas não tem autoridade para criar conselhos profissionais por atos administrativos, como portarias ou resoluções. Da mesma forma, o Governo Federal, representado pelo Presidente e seus ministérios, não pode instituir conselhos sem uma lei específica, pois isso ultrapassaria suas atribuições constitucionais. Essa limitação é reforçada por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconhecem os conselhos como autarquias especiais criadas por lei, com autonomia administrativa e financeira, mas sujeitas à legislação aprovada pelo Congresso.
A prática brasileira confirma essa exigência: todos os conselhos profissionais, como a OAB (Lei nº 8.906/1994), o CFM (Lei nº 3.268/1957) e o CONFEA (Lei nº 5.194/1966), foram instituídos por leis federais. Tentativas de criar conselhos por atos do Executivo seriam inconstitucionais, pois violariam o princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF/88) e a competência legislativa exclusiva da União.
O Exemplo do Conselho Federal da OAB
O Conselho Federal da OAB, regulamentado pela Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia), é um modelo de conselho profissional instituído por lei específica. O art. 44 da lei define a OAB como uma autarquia especial, com atribuições de regulamentar a advocacia, fiscalizar o exercício profissional e defender os interesses da categoria.
A força da OAB deriva de sua regulamentação por lei formal, que garante legitimidade, autonomia e clareza em suas atribuições. O art. 133 da CF/88 reconhece a essencialidade do advogado à administração da justiça, reforçando a importância de uma regulamentação legislativa robusta. Esse modelo contrasta com profissões regulamentadas por normas infralegais, que enfrentam fragilidades jurídicas e dificuldades para criar conselhos representativos.
A Situação dos Despachantes Aduaneiros e o Projeto de Lei 4814/2019
A profissão de despachante aduaneiro, essencial ao comércio exterior, enfrenta desafios para alcançar a regulamentação e representatividade da OAB. Atualmente, a profissão é regulada pelo Decreto-Lei nº 2.472/1988, uma norma do regime militar, cuja forma legislativa foi extinta pela CF/88. Embora alguns dispositivos do Decreto-Lei permaneçam em vigor, eles não oferecem a legitimidade de uma lei formal, especialmente para a criação de um conselho profissional.
A Feaduaneiros tem se destacado por sua atuação incansável na defesa da categoria. A audiência de 14 de maio de 2025, no Ministério do Trabalho, com a presença do Ministro Luiz Marinho demonstra a proatividade e a capacidade de articulação da entidade. A iniciativa reflete o compromisso da Feaduaneiros em fortalecer a representatividade dos despachantes aduaneiros e contribuir para o avanço do comércio exterior, por meio da criação de um Conselho Federal.
Contudo, a audiência, embora louvável, é inócua no atual contexto jurídico. A criação de um conselho profissional exige uma lei específica que regulamente a profissão de forma clara e autônoma, como ocorre com a OAB.
O Projeto de Lei nº 4814/2019, aprovado pela Câmara dos Deputados, mas ainda pendente de tramitação no Senado e sanção presidencial em maio de 2025, não atende a esse requisito. O PL apresenta as seguintes limitações:
Manutenção em Decreto-Lei: O PL não cria uma lei específica, mas reformula o art. 5º do Decreto-Lei nº 2.472/1988, mantendo a regulamentação vinculada a uma norma obsoleta. Essa abordagem contraria o princípio da legalidade e enfraquece a profissão, pois Decretos-Leis carecem da força normativa de uma lei formal.
Ausência de inovação: O texto aprovado não introduz mudanças substanciais em relação ao Decreto-Lei. A definição da profissão e a exigência de registro na Receita Federal já existiam na norma de 1988, sendo apenas reformuladas.
Inconstitucionalidade do exame de qualificação: O §3º do art. 5º do Decreto-Lei, que delega ao Poder Executivo a regulamentação da investidura na profissão, não foi recepcionado pela CF/88, conforme o art. 25 do ADCT. O PL 4814/2019 não corrige essa inconstitucionalidade, mantendo a dependência da Receita Federal para o exame de qualificação técnica, o que é juridicamente questionável.
Supressão de direitos: A minuta original do PL, elaborada pelas entidades de classe, continha 10 artigos, incluindo direitos como liberdade profissional, proteção contra abusos e participação na desburocratização do comércio exterior. O texto aprovado reduziu-se a um artigo, eliminando esses direitos e fragilizando a representatividade da categoria.
Impedimento à criação de um conselho: A ausência de uma lei específica, que substitua o Decreto-Lei e regulamente a profissão constitucionalmente, inviabiliza a criação do Conselho Federal dos Despachantes Aduaneiros, discutida na audiência de 14 de maio de 2025. O art. 25 do ADCT evidencia que normas como o Decreto-Lei nº 2.472/1988, que dependem de regulamentação infralegal, não oferecem base legítima para a instituição de um conselho, ao contrário da Lei nº 8.906/1994, que criou a OAB.
Considerações Finais
A criação de conselhos profissionais no Brasil exige uma lei específica aprovada pelo Congresso Nacional. Em contrapartida, a profissão de despachante aduaneiro, regulada pelo obsoleto Decreto-Lei nº 2.472/1988 e pelo insuficiente PL 4814/2019, enfrenta fragilidades que impedem a criação de um conselho.
A Feaduaneiros merece elogios por sua dedicação, como demonstrado na audiência de 14 de maio de 2025. Contudo, a iniciativa é inócua sem uma lei específica, e nem o Ministério do Trabalho, nem o Governo Federal têm competência para criar o conselho, pois essa atribuição é exclusiva do Legislativo.
As entidades de classe devem pressionar por emendas ao PL 4814/2019 no Senado ou por um novo projeto, retomando a minuta original, para garantir uma regulamentação à altura da importância dos despachantes aduaneiros no comércio exterior brasileiro.
Rogerio Zarattini Chebabi
Advogado - OAB/SP 175.402
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