Aspectos jurídicos da adoção por casais do mesmo sexo
Imagem extraída: https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/livro-questiona-teses-sobre-adocao-por-casais-homossexuais/
Por: Isabelle Gadioli, Bacharel em Direito na Universidade Metodista de São Paulo
ASPECTOS JURÍDICOS DA ADOÇÃO POR CASAIS DO MESMO SEXO
A adoção será abordada neste artigo na figura de famílias formadas por casais homossexuais. Sendo assim, este artigo visa esclarecer a adoção e seus requisitos legais, no sentido da análise da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial referente ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Deste modo, abordando especificamente o artigo 1.723 do Código Civil, constatamos que o legislador faz menção em relação o conceito de família entre a união de homem e mulher, com objetivo de constituir família:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (BRASIL. CC, 2002)
Na interpretação literal da lei sequer havia previsão, bem como equiparação para casais homossexuais, salienta-se que, há outros artigos do referido código cuja menção faz-se em “homem e mulher” . Sendo assim, não havia lei que os resguardassem ou os reconhecessem como família, ferindo gravemente a Constituição Federal e seus direitos.
Diante da problemática da inconstitucionalidade da Lei, através de proposituras legislativas e julgamentos acerca do tema, enfim o Supremo Tribunal Federal posicionou-se sobre o assunto, através de mecanismos de correção que visam verificar a compatibilidade de uma Lei e da Carta Maior.
Sendo assim, é finalmente reconhecida a união estável destes através a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, tendo como o Ministro Relator Aires Britto do Superior Tribunal Federal, no ano de 2011.
Os fundamentos dos votos basearam-se no artigo 3º inciso IV, da Constituição Federal, o qual cessa quaisquer hipóteses de discriminação. Nesse sentido, exclui-se qualquer dúvida que possa surgir ou obstar a união destes.
Dessa forma, no sentido da adoção, serve também a equiparação para casais homossexuais, ou seja, passando a estes os mesmos requisitos legais.
Atualmente a adoção é prevista no Artigo 39 ao 52, do Estatuto da Criança e do Adolescente, passando por algumas alterações devido a Lei da Nacional da Adoção 12.010\09.
Um dos requisitos objetivos quanto à adoção, é a maioridade de 18 anos para o adotante. Dessa forma, será analisado pelo próprio juiz questões como, comprovação de estabilidade familiar e também a maturidade dos adotantes e suas condições psicológicas para tal. Assim, anteriormente a redação legislativa determinava a idade mínima de 21 anos independente do estado civil, passando, então, aos 18 anos atualmente (VENOSA, 2012, p.289).
Outro fator importante quanto o instituto da adoção, é com relação aos irmãos, pois entende-se que os irmãos serão colocados na mesma família adotiva, para que seja preservado o vínculo familiar entre estes.
Importante destacar, que não há impedimento com relação ao estado civil do adotante, podendo acontecer por casais como também por pessoas solteiras. Os casais deverão estar em matrimônio ou em união estável. Ou seja, o indivíduo pode adotar estando casado, solteiro, divorciado, viúvo, abrangendo a oportunidade adotiva deste instituto (VENOSA, 2012, p. 293).
Outro requisito importante para tal ato se dá com o consentimento dos pais ou dos representantes legais de quem se deseja adotar, ou seja, a família do adotado deve consentir para que ocorra de fato a adoção, conceito este fundamental para sua efetivação.
Ocorre a destituição do poder familiar nos casos em que houver abandono dos pais, ou então abandono por parte da mãe sendo desconhecido o pai do menor.
Há também a concordância por parte do adotado caso este seja maior de 12 anos, sendo que a adoção seja em prol do efetivo benefício para o adotado.
Destarte, é necessário processo judicial para que seja reconhecida a adoção.
Outro fator obrigatório para requerer a adoção, se dá com relação ao estágio de convivência, pois este é obrigatório para a efetivação da adoção através de sentença judicial. Carlos Roberto Gonçalves manifesta-se sobre o assunto:
Nessa consonância, e tendo em vista o entendimento já manifestado de que continuam em vigor as normas do aludido diploma que não conflitam com o novo Código Civil, a adoção dos referidos menores requer o preenchimento ainda de outro requisito: o estágio de convivência, a ser promovido obrigatoriamente, só podendo ser dispensado “se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo” (ECA. art. 26, § 1º, com a redação dada pela Lei n. 12.010\2009) (GONÇALVES, 2012, p. 400) (i. a.)
Como também:
A adoção poderá também ser anulada caso a lei seja ferida, um dos requisitos para que isto ocorra, é pelo fato do adotante não ser maior de 18 anos, como também quando duas pessoas que adotam a mesma criança não sejam cônjuges ou conviventes, ou então, o tutor ou curador não preste contas ou houver vício devido a simulação ou fraude da lei. Com relação à anulabilidade, pode ocorrer devido a falta de assistência dos pais, tutores ou curadores ou até mesmo decorrente de vício de consentimento do adotado devido a erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo (GONÇALVES, 2012, p. 401).
Não é permitido a adoção por ascendentes do menor ou irmãos, ou seja, os avós e bisavós não podem adotar o menor, permitindo assim a adoção apenas dos parentes colaterais como por exemplo: tios e primos.
Sendo assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê como requisitos legais para sua efetivação:
Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil.
§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.
§ 2o Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família
§ 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando
§ 4o Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão.
§ 5o Nos casos do § 4o deste artigo, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.
§ 6o A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença (BRASIL. ECA, 2002) (s. a.)
Quanto à adoção por casais homossexuais, ainda não há a inserção na lei de fato para tal previsão ou requisito, porém, graças a ADI e a ADPF mencionadas, concedeu assim os direitos equiparados a casais heterossexuais devido a união estável, concedendo a adoção por estes.
Cabe enfatizar que uma das principais dificuldades da adoção, se dá pela quantidade de crianças “esquecidas” em abrigos devido à idade avançada, conforme pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que indicou no Brasil aproximadamente 47.133 crianças em lares de abrigos esquecidas, devido aos adotantes procurarem crianças ainda recém-nascidas ou muito pequenas.
A pessoa que deseja adotar, deve inicialmente requerer ao Cadastro Nacional de Adoção (CNA), como também Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA) regulados pelo CNJ, inscrito por intermédio de seu procurador ou defensor por interposição de petição. Ocorre assim, cursos preparatórios e avaliativos, ocorrendo diversas entrevistas com assistente social e psicólogo, para que assim seja emitido laudo ao magistrado que irá avaliar as condições para adoção, tendo este laudo a validade de 02 anos.
Assim com o juiz deferindo o laudo, ocorre a fila de espera para a adoção, vejamos a previsão legal conforme o art. 46 do ECA:
Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 1º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 2º A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 2º-A. O prazo máximo estabelecido no caput deste artigo pode ser prorrogado por até igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 3º Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência será de, no mínimo, 30 (trinta) dias e, no máximo, 45 (quarenta e cinco) dias, prorrogável por até igual período, uma única vez, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 3º-A. Ao final do prazo previsto no § 3o deste artigo, deverá ser apresentado laudo fundamentado pela equipe mencionada no § 4o deste artigo, que recomendará ou não o deferimento da adoção à autoridade judiciária. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017)
§ 4º O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 5º O estágio de convivência será cumprido no território nacional, preferencialmente na comarca de residência da criança ou adolescente, ou, a critério do juiz, em cidade limítrofe, respeitada, em qualquer hipótese, a competência do juízo da comarca de residência da criança. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017) (BRASIL. ECA, 2002) (s. a.)
Esta fila de espera concerne em crianças e adolescentes com o critério de aderir ao que o casal deseja conforme ordem cronológica, assim não podem mais escolher a criança que desejam adotar no abrigo.
Será indicado ao casal qual a situação psicológica do adotado, bem como a apresentação do menor, para iniciar as visitas e passeios para melhor conhecerem. Caso ambas as partes estiverem de acordo para a adoção, será proposta ação que poderá ser concedida a guarda provisória do menor e o estágio de convivência.
Sendo assim, é correto verificar que o processo de adoção no Brasil, requer paciência e dedicação do casal que tenha a intenção em adotar. Cabe esclarecer que para o casal além da vontade iminente em ter filhos, primeiro é necessário que os casais e o menor sintam-se identificados.
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